Ele era turrão. Andava de um canto ao
outro com seu habitual terno e gravata, cuidando da vida alheia para
que fossem mantidos no prumo a moral e os bons costumes, os quais já
não eram tão bons, mas assim os nomenclaturavam a fim de não
perder o que lhes restavam de costumes. Havia, porém, outros
costumes, estes mantidos em segredos por não serem de bom tom.
Mentia cinco vezes ao dia para sua subsistência psicológica. Caso
não o fizesse (é fato que já o tentara), as mãos lhe tremiam em
epilepsia nervosa. Mentia em coisas básicas e supérfluas, como a
morte de parentes indesejáveis, classe social, a origem de sua
natalidade e, de maneira mais rarefeita, porém não mais verdadeira,
a sua perversão. Em criança, observava a cachoeira vizinha da
fazenda de seus pais. Muitos jovens ali namoravam e, não raro,
deixavam de lado os bons costumes de suas roupas engomadíssimas e
banhavam-se nus, alheios de que eram secretamente observados por um
menino de quatro anos. Ali, iniciou-se verdadeira adoração ao deus
Priapo. Cadernos clandestinos recheados de imagens fálicas, árvores
marcadas com obscenidades, e até uma pequena escultura feita a
próprio canivete estavam sempre nos caminhos do menino. Ao passo que
deixava a infância, vinha como novidade o convívio em sociedade. Os
vestiários do ginásio, os banhos coletivos do exército e até
mesmo o trabalho como alfaiate não o deixavam abandonar o culto
pagão ao falo. Mesmo após seu
casamento, com toda a pompa obrigatória, não deixou a Priapo. Em
verdade, o deus é quem não o deixava. Cobrava na mente sua adoração.
Tomava a imaginação do homem através de imagens corriqueiras e sutis. O
ferro onde encaixava o disco no gramofone, as salsichas preparadas
pela esposa, o martelo posto de ponta a cabeça e até mesmo o alívio
das próprias necessidades. Em tudo estava o onipresente Priapo.
Tanto cobrou suas libações e oferendas que o homem, já cansado de
ignorar a voz do deus, decidiu secretamente render-se. Certo dia,
apareceu na alfaiataria um colega de longa data. Frequentaram juntos
não apenas o ginásio, mas também o quartel de modo que conhecendo mutuamente às obscenidades que tal conversa produziria, trancaram-se
ao gabinete do alfaiate. Ouviam-se risos, silêncios e alguns gritos
de dor, certamente causados por uma agulha desgovernada. Passaram ali
tempo suficiente para a confecção de um roupeiro completo.
Enxugando o suor com lenços trocados, os dois homens saíram
sorridentes e felizes pelo negócio acordado e pelo reencontro. O
colega seguiu seu caminho e o alfaiate continuou a mentir sua
adoração a Priapo em favor na moral e dos bons costumes.