6 de fevereiro de 2014

Os Bons Costumes


Ele era turrão. Andava de um canto ao outro com seu habitual terno e gravata, cuidando da vida alheia para que fossem mantidos no prumo a moral e os bons costumes, os quais já não eram tão bons, mas assim os nomenclaturavam a fim de não perder o que lhes restavam de costumes. Havia, porém, outros costumes, estes mantidos em segredos por não serem de bom tom. Mentia cinco vezes ao dia para sua subsistência psicológica. Caso não o fizesse (é fato que já o tentara), as mãos lhe tremiam em epilepsia nervosa. Mentia em coisas básicas e supérfluas, como a morte de parentes indesejáveis, classe social, a origem de sua natalidade e, de maneira mais rarefeita, porém não mais verdadeira, a sua perversão. Em criança, observava a cachoeira vizinha da fazenda de seus pais. Muitos jovens ali namoravam e, não raro, deixavam de lado os bons costumes de suas roupas engomadíssimas e banhavam-se nus, alheios de que eram secretamente observados por um menino de quatro anos. Ali, iniciou-se verdadeira adoração ao deus Priapo. Cadernos clandestinos recheados de imagens fálicas, árvores marcadas com obscenidades, e até uma pequena escultura feita a próprio canivete estavam sempre nos caminhos do menino. Ao passo que deixava a infância, vinha como novidade o convívio em sociedade. Os vestiários do ginásio, os banhos coletivos do exército e até mesmo o trabalho como alfaiate não o deixavam abandonar o culto pagão ao falo. Mesmo após seu casamento, com toda a pompa obrigatória, não deixou a Priapo. Em verdade, o deus é quem não o deixava. Cobrava na mente sua adoração. Tomava a imaginação do homem através de imagens corriqueiras e sutis. O ferro onde encaixava o disco no gramofone, as salsichas preparadas pela esposa, o martelo posto de ponta a cabeça e até mesmo o alívio das próprias necessidades. Em tudo estava o onipresente Priapo. Tanto cobrou suas libações e oferendas que o homem, já cansado de ignorar a voz do deus, decidiu secretamente render-se. Certo dia, apareceu na alfaiataria um colega de longa data. Frequentaram juntos não apenas o ginásio, mas também o quartel de modo que conhecendo mutuamente às obscenidades que tal conversa produziria, trancaram-se ao gabinete do alfaiate. Ouviam-se risos, silêncios e alguns gritos de dor, certamente causados por uma agulha desgovernada. Passaram ali tempo suficiente para a confecção de um roupeiro completo. Enxugando o suor com lenços trocados, os dois homens saíram sorridentes e felizes pelo negócio acordado e pelo reencontro. O colega seguiu seu caminho e o alfaiate continuou a mentir sua adoração a Priapo em favor na moral e dos bons costumes.