18 de abril de 2016

O Brasil sem o PT

Há um contraste muito visível entre o tempo antes do PT e o tempo em que esteve no poder. Quando eu era criança, o Brasil devia 1 trilhão de juros aos credores internacionais. Pobres como a minha família não entravam em certos restaurantes e lojas. Já tive que tomar banho com álcool por falta d’água, além de passar por longos apagões. Para entrar numa universidade era necessário pagar a prova para cada uma delas. As bolsas de graduação pagavam ao pesquisador a bagatela de 190 reais. O salário mínimo custava apenas 270.

Em 2003 compramos nosso primeiro computador. A internet era discada porque nenhuma empresa queria colocar banda larga na favela. Hoje só existe uma que faz isso, de maneira rudimentar. A redução do IPI permitiu que o pobre tivesse qualidade na sua casa. O governo abriu mão de arrecadar impostos para beneficiar o povo. E comprei geladeira, fogão, maquina de lavar, celulares, computadores, roupa, eletrodomésticos, móveis. Tudo com uma bolsa de 400 reais da UERJ.

A economia cresceu. Em 2008, enquanto empresas ao redor do mundo fechavam as portas, o Brasil fez os olhos dos investidores olharem para o país de terceiro mundo, que agora é emergente. Ouço muitos falando de crise, mas em 2013 uma senhora entrevistada pela rede globo em um shopping disse que “neste natal não vai ser lembrancinha, será presente mesmo”. No mesmo ano, a Wolksvagen produziu o comercial do Fusca 2013, onde as pessoas do passado olhavam o carro do futuro, onde o Brasil é “um país de primeiro mundo”. Lojas de Paletas Mexicanas, franquias e mais franquias se espalharam pelo país.



Ouço também pessoas reclamando da falta de saúde, educação e segurança e culpando o PT por isso. Entretanto, essas áreas são de responsabilidade dos governos estaduais e municipais. E diga-se de passagem, mais do que a obrigação vem sendo feita. A boliviana do Mais Médicos foi a única que conseguiu detectar que eu tenho pressão alta. Mesmo tendo passado por diversos médicos públicos e particulares. Estudei numa das melhores universidades do país. Tive professores que ao final da aula atendiam filas de pessoas querendo autógrafos. Faço mestrado, numa área nova, aberta justamente no governo do PT.

Sou professor e sei o quando a educação é importante para não permitirmos a barbárie. As pessoas se esquecem do quanto sofremos. Quantos nordestinos, como bem nos lembra Maria Bethânia em seu primeiro disco, saíram dos seus estados para fugir da seca e da fome. Ninguém ousou transpor o São Francisco. Ninguém ousou olhar o Nordeste como uma região de progresso. Hoje a fome não estampa os jornais. A fome deu lugar ao ódio.



Desculpe senhores se estou Sendo parcial. É que o PT imitou nações como Alemanha, Inglaterra, Suíça e Japão. Fez deste país a 7 maior economia do mundo. E o que me espanta é que as pessoas estejam mais preocupadas com o preço do iphone e do videogame do que com a qualidade de vida dos mais necessitados.

Sem mais,

Eu mesmo.

10 de outubro de 2015

Cabeças de Vento na Classe Média



Devido à proximidade do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), considerei a pertinência desta análise. A classe média brasileira, em sua cegueira por cercear a imagem de Dilma Rousseff, assume gafes que não são aceitáveis dentro de um contexto intelectual saudável. Lê-se que não proponho a polarização política, mas uma análise linguística dos procedimentos empregados nos discursos da Presidente do Brasil.
Antes de tudo, é preciso entender que os discursos são textos e como tais apresentam natureza dialógica (BAKHTIN:1929). Em outras palavras, há um emissor e um receptor. Dizendo assim parece óbvio, todavia, conhecer esses dois sujeitos faz toda a diferença na seleção vocabular, na estrutura dos períodos, nos atos de fala e figuras de linguem. Se o equilíbrio entre emissor e receptor não for mantido, ruídos de linguagem bloquearão a compreensão do texto.

O primeiro discurso a ser analisado é o de julho de 2015. A frase viral "Não vamos colocar uma meta, vamos deixar a meta aberta. Depois vamos dobrar a meta.” Mais do que não conseguir compreender é simplesmente não incutir o mínimo esforço para a interpretação. Algumas intertextualidades, associadas ao conhecimento de mundo fazem-se imprescindíveis. Primeiramente, o contexto refere-se ao SEBRAE, um grupo de apoio às pequenas e médias empresas, que curiosamente trabalha com metas para seus clientes. O trabalho com metas nas empresas costumeiramente gera queda na qualidade do serviço. Algo semelhante ocorreu com o surgimento das NEPs na Rússia, onde metas estabelecidas a cada 5 anos eram superadas e, como consequência, houve uma grande perda de capital humano. Deixar algo aberto significa não estabelecer um limite para o crescimento. Dobrar a meta “infinita” significa, então, sempre superar a si próprio. 

Outro discurso que chama atenção é o de junho de 2015 com as frases “a mandioca é uma das maiores conquistas do Brasil” e “nos tornamos homo sapiens ou mulheres sapiens”. A primeira é uma referência ao marco histórico onde deixamos de ser nômades para sermos sedentários. Plantamos nosso próprio alimento, que no caso do Brasil é a mandioca. O Brasil conquistou um alimento com a sua identidade nacional, assim como a batata na Alemanha.

 

A segunda expressão é um Détournement, um recurso comum nas campanhas de publicidade. Trata-se de selecionar uma expressão popular e modificá-la, sem alterar sua estrutura original, a fim de provocar humor. Obviamente, a compreensão depende do capital cultural do receptor da mensagem.  Em “Mulheres sapiens” ocorre a substituição da palavra latina Homo, ação afirmativa feminista.

 

“Então, se a contribuição dos outros países, vamos supor que seja desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica estocar, ter uma forma de você estocar, porque o vento ele é diferente em horas do dia. Então, vamos supor que vente mais à noite, como eu faria para estocar isso?”

 

O “estoque de vento” nada mais é que uma metonímia. Um pouco de atenção do receptor da mensagem faria com que se percebesse que a palavra vento substitui “energia eólica” que como qualquer tipo de energia elétrica pode ser estocado. Além disso, uma simples pesquisa no Google leva ao conhecimento da AWEA (American Wind Energy Association), entidade que se presta a realizar pesquisas relacionadas ao estoque de energia eólica, em termos metonímicos, estoque de vento. Aparentemente, há vento demais na cabeça da classe média brasileira que não permite o sucesso na compreensão desta simples figura.

 

 “Ontem eu disse ao presidente Obama que era claro que ele sabia que depois que a pasta de dentes sai do dentifrício ela, dificilmente, volta pra dentro do dentifrício, então, que a gente tinha de levar isso em conta…”

 

Por último, outro caso de Détournement. Lembrando que para entendê-lo é preciso ter a referência original da expressão modificada. No caso, a expressão é “merdas cagadas não voltam ao cu”. Em suma, as cicatrizes não somem, referindo-se ao caso das espionagens americanas.

 

Desejo que após este texto, os vestibulandos dobrem a meta de estudo e que jamais atinjam a meta, mas a deixem em aberto, pois limitar o conhecimento é alienar-se.

;)

16 de março de 2015

Pauliceia Desvairada, de 1922 a 2015


Após um ano sem escrever uma linha blog, as Musas cantaram ao meu ouvido e aqui estou a comentar o curioso fenômeno ocorrido no dia 15 de março de 2015, em diversas cidades do Brasil. Estou no meu quarto, no alto de um morro, em Niterói, olhando o Pão de Açúcar ser iluminado pelo sol da manhã, onde não se ouvem panelas batendo. Contudo, a Pauliceia Desvairada, mais isolada que Havana esteve na tv, no Facebook e em tudo quanto é canto.

Plagiando descaradamente Mario de Andrade, grito: Este prefácio, apesar de interessante, inútil. Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita, trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.

De fato, só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. De resto ficamos 54 milhões de um lado, 51 milhões de outro. Num cabo de guerra onde cada um afunda na lama. Uns mais, outros menos. Como crianças querendo um mesmo brinquedo. E assim nos tornamos brasileiros.

O que houve em 15 de março de 2015 não foi uma manifestação. Toda manifestação precisa de uma manifesto. Trata-se de um documento produzido em comum acordo para que fique claro o que se pede. Os comunistas, os modernistas, os protestantes e até mesmo os nazistas possuem ao menos um. Já dizia Oswald que só não há determinismo onde há o mistério. Mas que temos nós com isso? Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

Leitor: Está fundado o Desvairismo. Sejam 210 mil ou 1 milhão. Em 2013, um grupo de mascarados fez seu manifesto. Em 2015, ninguém sabe o que se foi pedir. Fim da corrupção? Com a camiseta da CBF (a maioria falsificada, fabricada por peruanos que trabalham na escravidão paulista)? À noite um pacote de medidas contra a corrupção foi anunciado. Mais panelas. Não era isso que queriam, então. Impeachment? De uma presidente eleita há menos de seis meses? Por que não votaram na oposição, então? Onde estava essa gente toda em outubro? Vendo Big Brother? Não querem que o Brasil se torne Cuba, Venezuela, Uruguai, Argentina? Engraçado, todos esses países possuem o IDH maior que o do Brasil. Significa que eles possuem qualidade de vida maior que a nossa. Não querem isso para o Brasil? Estranho.

Ando me perguntando o que essa gente pensa que está fazendo. Será que ninguém reparou que quando se faz esse tipo de coisa a Bolsa de Valores desestabiliza? Aí depois vai bater panela pelo preço da gasolina e dizer que é culpa do PT. Fico imaginando como pessoas que defendem “família tradicional” saem às ruas em pleno dia do Senhor a chamar uma chefe de estado de puta, vagabunda, piranha. Pensei estar ouvindo Geni e o Zepelim, de Chico Buarque: “E também vai amiúde/ Com os velhinhos sem saúde/ E as viúvas sem porvir/ Ela é um poço de bondade/ E é por isso que a cidade/ Vive sempre a repetir/ Joga pedra na Geni!/ Joga bosta na Geni!/ Ela é feita pra apanhar!/ Ela é boa de cuspir!/ Ela dá pra qualquer um!/ Maldita Geni!”

A grande desculpa para as palavras torpes jorrarem pela boca da santidade moralista é esta:

"Um programa como o “Bolsa Família” seria necessário para países que sofrem com guerras, grandes contingentes de refugiados, catástrofes climáticas ou epidemias. Mesmo nesses casos tal programa deveria ser temporário e focado na obtenção da independência financeira dos beneficiados. Nada disso vem ocorrendo de fato. Nem o Brasil foi castigado por “tsunamis” ou furacões e nem os assistidos conseguem sair da humilhante situação de quem recebe uma esmola." (SOUZA, 2007, p.1).

Uma definição que é rapidamente contestada por Zimmermann & Silva (2009), doutores por universidades Alemãs:

"A percepção acima releva uma carência de fundamentação teórica e empírica acerca do mundo real, uma vez que tal afirmativa não se baseou em nenhum estudo aprofundado, além de não se pautar em nenhum conhecimento das diversas experiências internacionais de programas transferência de renda, que surgiram nos países desenvolvidos no século XX, no momento em que Estado de Bem-Estar Social ganha concretude e consolidação. Bastaria estudar os países nórdicos da Europa, pioneiros na introdução de programas de transferência de renda. O Bolsa Família, portanto, não difere em sua concepção principal dos referidos programas adotados há mais de seis décadas pelo Reino Unido em 1948, seguido pela Finlândia em 1956 e Suécia em 1957.”

Como podemos ver, o chamado programa Sozialhilfe ou Bem-Estar é o que inspirou o Bolsa Família. A grande crítica dos países que adotam esse sistema está voltada para todo o planeta e não em si, como ocorre no Brasil. Para eles o programa está presente apenas em países desenvolvidos, porém seria a solução para os subdesenvolvidos. A alegria é a prova dos nove. Nenhum país que escolheu investir no seu povo está quebrado. Nem mesmo o Brasil.

No mês que vem o Brasil completa 515 anos. Apenas nos últimos 12 anos o país fez coisas antes impensáveis. Pagar a dívida com o FMI, sair do mapa da fome e tirar 36 milhões de pessoas da miséria. Vou explicar melhor para que fique claro: há apenas 12 anos, 36 milhões de pessoas acordavam e não tinham o que comer. A cada mil crianças nascidas 50 morriam antes de completar um ano. O Brasil conseguiu um feito que nenhum pais do mundo conseguiu em tão pouco tempo.

Quando falam que o Bolsa Família cria vagabundos, que é uma esmola, que são pagos com o dinheiro dos nossos impostos eu lembro das palavras de Lula em um palaque no Nordeste dizendo “Para quem tem esse dinheiro para pagar um almoço e jogar o troco no lixo é realmente uma esmola. Para quem não tem é o começo de uma dignidade.” Será que as classes A e B nunca refletiram sobre onde era gasto o dinheiro que vai para o bolsa família? Imaginem se no Brasil implementassem, como na Alemanha, imposto para TV e Rádio, imposto para exercer religião. Após a criação do Bolsa Família, 20 milhões de pessoas foram empregadas no Brasil. Onde estão os vagabundos?

Falam que o Mais Médicos ignora milhões de profissionais brasileiros e privilegia Cuba. Sinto muito queridos, mas o programa em relação à saúde recebeu médicos de diversas nacionalidades. Eu mesmo já fui atendido por um português, uma boliviana e um australiano. Quanto aos profissionais brasileiros? Eu é que pergunto: onde estão? No interior Maranhão um concurso com salário de R$35.000,00 foi cancelado pois não havia candidato. NÃO HAVIA CANDIDATO.

Será que as pessoas que vestem verde e amarelo (enquanto o nome do país sugere outra cor) sabem que a gasolina do Brasil é a 39ª mais cara do mundo? E que nos outros 38 países, onde chega a se pagar R$7 por litro, não tem panelaço em prédios de luxo (até porque a Europa considera prédios altos uma coisa cafona) tampouco pessoas ofendendo os mais pobres?

A nossa independência ainda não foi proclamada. Somos emergentes e ficar às cegas, gritando, batendo panela, histericamente não contribui financeiramente em nada para o país. Já dizia o Lula: “gritei muito na minha vida e nunca abafaria o grito de alguém, mas às vezes tem gente que grita e nem sabe porque está gritando”. Foram 502 anos de ordem, 13 de progresso. Sobre a ordem? - Repugna-me, com efeito, o que Musset chamou: "L'art de servir à point un dénuoement-bíen cuit".


PS.: As frases em itálico foram plagiadas de Mario e Oswald de Andrade.


Referências Bibliográficas:

ANDRADE, Mário. Pauliceia Desvairada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987.

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.

ZIMMERMANN, Clóvis Roberto & SILVA, Marina da Cruz. O Programa Bolsa Família: lições da experiência alemã. In: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº 98, Julho de 2009, Ano IX.

Referências Webgráficas:


Mesmo por R$ 35 mil, cidade do MA demora 1 mês para achar ortopedista – http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2013/02/no-maranhao-ha-menos-de-um-medico-para-cada-1000-habitantes.html. - Acesso em 16/03/2015.

Mortalidade infantil no Brasil – http://www.brasilescola.com/brasil/mortalidade-infantil-no-brasil.htm. - Acesso em 16/03/2015.

Programa Bolsa Família é citado em publicação francesa. - Acesso em 16/03/2015. http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/programa-bolsa-familia-e-citado-em-publicacao-francesa.
- Acesso em 16/03/2015.

O Bolsa-família na Europa http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=255. - Acesso em 16/03/2015.

Geni e o Zepelim – Chico Buarquehttp://letras.mus.br/chico-buarque/77259/. Acesso em 16/03/2015.

Geração de empregos (RAIS): 1994/2002, 5 milhões X 2003/2013, 20,4 milhões de empregos. - http://www.fpabramo.org.br/fpadefato/?p=255. Acesso em 16/03/2015.

6 de fevereiro de 2014

Os Bons Costumes


Ele era turrão. Andava de um canto ao outro com seu habitual terno e gravata, cuidando da vida alheia para que fossem mantidos no prumo a moral e os bons costumes, os quais já não eram tão bons, mas assim os nomenclaturavam a fim de não perder o que lhes restavam de costumes. Havia, porém, outros costumes, estes mantidos em segredos por não serem de bom tom. Mentia cinco vezes ao dia para sua subsistência psicológica. Caso não o fizesse (é fato que já o tentara), as mãos lhe tremiam em epilepsia nervosa. Mentia em coisas básicas e supérfluas, como a morte de parentes indesejáveis, classe social, a origem de sua natalidade e, de maneira mais rarefeita, porém não mais verdadeira, a sua perversão. Em criança, observava a cachoeira vizinha da fazenda de seus pais. Muitos jovens ali namoravam e, não raro, deixavam de lado os bons costumes de suas roupas engomadíssimas e banhavam-se nus, alheios de que eram secretamente observados por um menino de quatro anos. Ali, iniciou-se verdadeira adoração ao deus Priapo. Cadernos clandestinos recheados de imagens fálicas, árvores marcadas com obscenidades, e até uma pequena escultura feita a próprio canivete estavam sempre nos caminhos do menino. Ao passo que deixava a infância, vinha como novidade o convívio em sociedade. Os vestiários do ginásio, os banhos coletivos do exército e até mesmo o trabalho como alfaiate não o deixavam abandonar o culto pagão ao falo. Mesmo após seu casamento, com toda a pompa obrigatória, não deixou a Priapo. Em verdade, o deus é quem não o deixava. Cobrava na mente sua adoração. Tomava a imaginação do homem através de imagens corriqueiras e sutis. O ferro onde encaixava o disco no gramofone, as salsichas preparadas pela esposa, o martelo posto de ponta a cabeça e até mesmo o alívio das próprias necessidades. Em tudo estava o onipresente Priapo. Tanto cobrou suas libações e oferendas que o homem, já cansado de ignorar a voz do deus, decidiu secretamente render-se. Certo dia, apareceu na alfaiataria um colega de longa data. Frequentaram juntos não apenas o ginásio, mas também o quartel de modo que conhecendo mutuamente às obscenidades que tal conversa produziria, trancaram-se ao gabinete do alfaiate. Ouviam-se risos, silêncios e alguns gritos de dor, certamente causados por uma agulha desgovernada. Passaram ali tempo suficiente para a confecção de um roupeiro completo. Enxugando o suor com lenços trocados, os dois homens saíram sorridentes e felizes pelo negócio acordado e pelo reencontro. O colega seguiu seu caminho e o alfaiate continuou a mentir sua adoração a Priapo em favor na moral e dos bons costumes.

13 de janeiro de 2014

The Black Power



A coisa está branca. Infelizmente, parece que um pombo gigante passou por nossas cabeças e despejou seus dejetos que respingaram nos negros, nos pobres, nos índios, nas mulheres e nos gays. Os vermes conservadores estão insatisfeitos com nossa felicidade. Não aguentam ver gays se casando e sendo felizes. Não suportam índios ganhando na justiça o direito de ficar na frente estádio. Não lhes desce pela garganta negros entrando em shoppings e comprando mais que eles.

Nós somos a pedra no meio do caminhos dos reacionários que pagam de moralistas e defensores dos valores cristãos, e que garantem mensalmente a sobrevivência de putas e travestis. O último reacionário que tive o desprazer de conhecer foi também a pessoa mais mentirosa que conheci. Religião, classe social, sexualidade, nacionalidade: nada que saída da sua boca era verdadeiro. Nem sequer a sua "causa".

Por que homossexuais deixariam seus lindos beijos de amor presos em quatro paredes? Para satisfazer os mentirosos? Por que será que a única personagem negra da novela das oito/nove é também a única soropositiva da história? Por que só os ônibus que vêm da favela são revistados em Copacabana? Por que tenho que chamar a favela de comunidade se ninguém na favela a chama assim? Por que temos uma comissão evangélica no congresso de um país "laico"? Por que samba e funk são coisas de pobre e preto, mas se Maria Rita e Caetano Veloso foram indicados ao Grammy cantando-os devem ser chamados se identidade popular?

Impedir uma criança com black power de ser matriculada numa escola de ricos é fácil. Estou pra ver alguém apontar o dedo para a filha da Beyoncé e chamá-la de "pretinha" ou coisa assim. Tomo para mim as palavras do Rappa: Branco, se você soubesse o valor que o preto tem. Tu tomavas banho de piche, branco e, ficava preto também!

A coisa está branca demais aqui.

30 de novembro de 2013

22 de setembro de 2013

SUICIDA

Uma jovem belíssima corre pelo convés do navio mais luxuosos de que se tem notícia. No caminho, esbarra em algumas pessoas esnobes, cheias de dinheiro. A respiração ofegante e as lágrimas nos olhos. Ela segue à popa do navio. O convés finalmente termina em uma grade que separa a jovem do infinito. A morte nunca foi tão desejada. Enquanto seu corpo ultrapassa os limites da proteção, sua mente suicida grita. Grita o que queria ser e não foi. Os jantares finos, cheios de conversas fiadas, pessoas impecavelmente bonitas e desprovidas de quaisquer infelicidades. De repente se vê em uma mesa cheia de vestidos e paletós, sorridente, como se dominasse a felicidade ao seu dispor. Sorri enquanto a dor a tortura. É uma tortura oriental lenta e sorrateira. O fim é logo ali, depois da popa.

Já me senti assim algumas vezes. Vezes tais em que as lágrimas não são suficientes para fazer sair a dor que ecoa na alma. E enquanto se desespera, o sorriso não sai dos lábios. É preciso dizer que tudo é perfeito. Uma aparência alegórica. Há algo podre em cada um de nós, que em seus carros luxuosos e suas casas seguras não se pode ver.


Se eu beber até a morte ninguém vai perceber. Talvez não houvesse dor. E quem se importaria com a dor de quem tem tudo o que se pode sonhar. A grama do vizinho só é mais verde vista de um dos lados do arco-íris. De perto é podada irregularmente. Feia. No fundo todos somos suicidas, só não temos coragem para isso.