Após um ano sem escrever uma linha
blog, as Musas cantaram ao meu ouvido e aqui estou a comentar o
curioso fenômeno ocorrido no dia 15 de março de 2015, em diversas
cidades do Brasil. Estou no meu quarto, no alto de um morro, em
Niterói, olhando o Pão de Açúcar ser iluminado pelo sol da manhã,
onde não se ouvem panelas batendo. Contudo, a Pauliceia Desvairada,
mais isolada que Havana esteve na tv, no Facebook e em tudo quanto é
canto.
Plagiando descaradamente Mario de
Andrade, grito: Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são
inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir minhas
conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita,
trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
De fato, só a ANTROPOFAGIA nos une.
Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. De resto ficamos 54
milhões de um lado, 51 milhões de outro. Num cabo de guerra onde
cada um afunda na lama. Uns mais, outros menos. Como crianças
querendo um mesmo brinquedo. E assim nos tornamos brasileiros.
O que houve em 15 de março de 2015 não
foi uma manifestação. Toda manifestação precisa de uma manifesto.
Trata-se de um documento produzido em comum acordo para que fique
claro o que se pede. Os comunistas, os modernistas, os protestantes e
até mesmo os nazistas possuem ao menos um. Já dizia Oswald que só
não há determinismo onde há o mistério. Mas que temos nós com
isso? Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra.
O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
Leitor: Está fundado o Desvairismo.
Sejam 210 mil ou 1 milhão. Em 2013, um grupo de mascarados fez seu
manifesto. Em 2015, ninguém sabe o que se foi pedir. Fim da
corrupção? Com a camiseta da CBF (a maioria falsificada,
fabricada por peruanos que trabalham na escravidão paulista)? À
noite um pacote de medidas contra a corrupção foi anunciado. Mais
panelas. Não era isso que queriam, então. Impeachment? De
uma presidente eleita há menos de seis meses? Por que não votaram
na oposição, então? Onde estava essa gente toda em outubro? Vendo
Big Brother? Não querem que o Brasil se torne Cuba,
Venezuela, Uruguai, Argentina? Engraçado, todos esses países
possuem o IDH maior que o do Brasil. Significa que eles possuem
qualidade de vida maior que a nossa. Não querem isso para o Brasil?
Estranho.
Ando me perguntando o que essa gente
pensa que está fazendo. Será que ninguém reparou que quando se faz
esse tipo de coisa a Bolsa de Valores desestabiliza? Aí depois vai
bater panela pelo preço da gasolina e dizer que é culpa do PT. Fico
imaginando como pessoas que defendem “família tradicional” saem
às ruas em pleno dia do Senhor a chamar uma chefe de estado de puta,
vagabunda, piranha. Pensei estar ouvindo Geni e o Zepelim, de
Chico Buarque: “E também vai amiúde/ Com os velhinhos sem
saúde/ E as viúvas sem porvir/ Ela é um poço de bondade/ E é por
isso que a cidade/ Vive sempre a repetir/ Joga pedra na Geni!/ Joga bosta na Geni!/ Ela é feita pra apanhar!/ Ela é boa de cuspir!/ Ela
dá pra qualquer um!/ Maldita Geni!”
A grande desculpa para as palavras
torpes jorrarem pela boca da santidade moralista é esta:
"Um programa
como o “Bolsa Família” seria necessário para países que sofrem
com guerras, grandes contingentes de refugiados, catástrofes
climáticas ou epidemias. Mesmo nesses casos tal programa deveria ser
temporário e focado na obtenção da independência financeira dos
beneficiados. Nada disso vem ocorrendo de fato. Nem o Brasil foi
castigado por “tsunamis” ou furacões e nem os assistidos
conseguem sair da humilhante situação de quem recebe uma esmola."
(SOUZA, 2007, p.1).
Uma definição que é rapidamente
contestada por Zimmermann & Silva (2009), doutores por
universidades Alemãs:
"A
percepção acima releva uma carência de fundamentação teórica e
empírica acerca do mundo real, uma vez que tal afirmativa não se
baseou em nenhum estudo aprofundado, além de não se pautar em
nenhum conhecimento das diversas experiências internacionais de
programas transferência de renda, que surgiram nos países
desenvolvidos no século XX, no momento em que Estado de Bem-Estar
Social ganha concretude e consolidação. Bastaria estudar os países
nórdicos da Europa, pioneiros na introdução de programas de
transferência de renda. O Bolsa Família, portanto, não difere em
sua concepção principal dos referidos programas adotados há mais
de seis décadas pelo Reino Unido em 1948, seguido pela Finlândia em
1956 e Suécia em 1957.”
Como podemos ver, o chamado programa
Sozialhilfe ou Bem-Estar é o que inspirou o Bolsa Família. A grande
crítica dos países que adotam esse sistema está voltada para todo
o planeta e não em si, como ocorre no Brasil. Para eles o programa
está presente apenas em países desenvolvidos, porém seria a
solução para os subdesenvolvidos. A alegria é a prova dos nove.
Nenhum país que escolheu investir no seu povo está quebrado. Nem
mesmo o Brasil.
No mês que vem o Brasil completa 515
anos. Apenas nos últimos 12 anos o país fez coisas antes
impensáveis. Pagar a dívida com o FMI, sair do mapa da fome e tirar
36 milhões de pessoas da miséria. Vou explicar melhor para que
fique claro: há apenas 12 anos, 36 milhões de pessoas acordavam e
não tinham o que comer. A cada mil crianças nascidas 50 morriam
antes de completar um ano. O Brasil conseguiu um feito que nenhum
pais do mundo conseguiu em tão pouco tempo.
Quando falam que o Bolsa Família cria
vagabundos, que é uma esmola, que são pagos com o dinheiro dos
nossos impostos eu lembro das palavras de Lula em um palaque no
Nordeste dizendo “Para quem tem esse dinheiro para pagar um almoço
e jogar o troco no lixo é realmente uma esmola. Para quem não tem é
o começo de uma dignidade.” Será que as classes A e B nunca
refletiram sobre onde era gasto o dinheiro que vai para o bolsa
família? Imaginem se no Brasil implementassem, como na Alemanha,
imposto para TV e Rádio, imposto para exercer religião. Após a criação do Bolsa Família, 20 milhões de pessoas foram empregadas
no Brasil. Onde estão os vagabundos?
Falam que o Mais Médicos ignora
milhões de profissionais brasileiros e privilegia Cuba. Sinto muito
queridos, mas o programa em relação à saúde recebeu médicos de
diversas nacionalidades. Eu mesmo já fui atendido por um português,
uma boliviana e um australiano. Quanto aos profissionais brasileiros?
Eu é que pergunto: onde estão? No interior Maranhão um concurso
com salário de R$35.000,00 foi cancelado pois não havia candidato.
NÃO HAVIA CANDIDATO.
Será que as pessoas que vestem verde e
amarelo (enquanto o nome do país sugere outra cor) sabem que a
gasolina do Brasil é a 39ª mais cara do mundo? E que nos outros 38
países, onde chega a se pagar R$7 por litro, não tem panelaço em
prédios de luxo (até porque a Europa considera prédios altos uma
coisa cafona) tampouco pessoas ofendendo os mais pobres?
A nossa independência ainda não foi
proclamada. Somos emergentes e ficar às cegas, gritando, batendo
panela, histericamente não contribui financeiramente em nada para o
país. Já dizia o Lula: “gritei muito na minha vida e nunca
abafaria o grito de alguém, mas às vezes tem gente que grita e nem
sabe porque está gritando”. Foram 502 anos de ordem, 13 de
progresso. Sobre a ordem? - Repugna-me, com efeito, o que Musset
chamou: "L'art de servir à point un dénuoement-bíen cuit".
PS.: As frases em itálico foram plagiadas de Mario e Oswald de Andrade.
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, Mário. Pauliceia
Desvairada. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1987.
ANDRADE, Oswald de. O manifesto
antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia
e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais
manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL,
1976.
ZIMMERMANN, Clóvis Roberto &
SILVA, Marina da Cruz. O Programa Bolsa Família: lições da
experiência alemã. In: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº 98,
Julho de 2009, Ano IX.
Referências Webgráficas:
- Acesso em 16/03/2015.