10 de outubro de 2015

Cabeças de Vento na Classe Média



Devido à proximidade do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), considerei a pertinência desta análise. A classe média brasileira, em sua cegueira por cercear a imagem de Dilma Rousseff, assume gafes que não são aceitáveis dentro de um contexto intelectual saudável. Lê-se que não proponho a polarização política, mas uma análise linguística dos procedimentos empregados nos discursos da Presidente do Brasil.
Antes de tudo, é preciso entender que os discursos são textos e como tais apresentam natureza dialógica (BAKHTIN:1929). Em outras palavras, há um emissor e um receptor. Dizendo assim parece óbvio, todavia, conhecer esses dois sujeitos faz toda a diferença na seleção vocabular, na estrutura dos períodos, nos atos de fala e figuras de linguem. Se o equilíbrio entre emissor e receptor não for mantido, ruídos de linguagem bloquearão a compreensão do texto.

O primeiro discurso a ser analisado é o de julho de 2015. A frase viral "Não vamos colocar uma meta, vamos deixar a meta aberta. Depois vamos dobrar a meta.” Mais do que não conseguir compreender é simplesmente não incutir o mínimo esforço para a interpretação. Algumas intertextualidades, associadas ao conhecimento de mundo fazem-se imprescindíveis. Primeiramente, o contexto refere-se ao SEBRAE, um grupo de apoio às pequenas e médias empresas, que curiosamente trabalha com metas para seus clientes. O trabalho com metas nas empresas costumeiramente gera queda na qualidade do serviço. Algo semelhante ocorreu com o surgimento das NEPs na Rússia, onde metas estabelecidas a cada 5 anos eram superadas e, como consequência, houve uma grande perda de capital humano. Deixar algo aberto significa não estabelecer um limite para o crescimento. Dobrar a meta “infinita” significa, então, sempre superar a si próprio. 

Outro discurso que chama atenção é o de junho de 2015 com as frases “a mandioca é uma das maiores conquistas do Brasil” e “nos tornamos homo sapiens ou mulheres sapiens”. A primeira é uma referência ao marco histórico onde deixamos de ser nômades para sermos sedentários. Plantamos nosso próprio alimento, que no caso do Brasil é a mandioca. O Brasil conquistou um alimento com a sua identidade nacional, assim como a batata na Alemanha.

 

A segunda expressão é um Détournement, um recurso comum nas campanhas de publicidade. Trata-se de selecionar uma expressão popular e modificá-la, sem alterar sua estrutura original, a fim de provocar humor. Obviamente, a compreensão depende do capital cultural do receptor da mensagem.  Em “Mulheres sapiens” ocorre a substituição da palavra latina Homo, ação afirmativa feminista.

 

“Então, se a contribuição dos outros países, vamos supor que seja desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica estocar, ter uma forma de você estocar, porque o vento ele é diferente em horas do dia. Então, vamos supor que vente mais à noite, como eu faria para estocar isso?”

 

O “estoque de vento” nada mais é que uma metonímia. Um pouco de atenção do receptor da mensagem faria com que se percebesse que a palavra vento substitui “energia eólica” que como qualquer tipo de energia elétrica pode ser estocado. Além disso, uma simples pesquisa no Google leva ao conhecimento da AWEA (American Wind Energy Association), entidade que se presta a realizar pesquisas relacionadas ao estoque de energia eólica, em termos metonímicos, estoque de vento. Aparentemente, há vento demais na cabeça da classe média brasileira que não permite o sucesso na compreensão desta simples figura.

 

 “Ontem eu disse ao presidente Obama que era claro que ele sabia que depois que a pasta de dentes sai do dentifrício ela, dificilmente, volta pra dentro do dentifrício, então, que a gente tinha de levar isso em conta…”

 

Por último, outro caso de Détournement. Lembrando que para entendê-lo é preciso ter a referência original da expressão modificada. No caso, a expressão é “merdas cagadas não voltam ao cu”. Em suma, as cicatrizes não somem, referindo-se ao caso das espionagens americanas.

 

Desejo que após este texto, os vestibulandos dobrem a meta de estudo e que jamais atinjam a meta, mas a deixem em aberto, pois limitar o conhecimento é alienar-se.

;)