conto de Julio Cortázar

Antes entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, com a cara machucada
pela chicotada de um galho. Admiravelmente ela fazia estalar o sangue com seus
beijos, mas ele recusava as carícias, não tinha vindo para repetir as
cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e
caminhos furtivos. O punhal se amornava contra seu peito e por baixo gritava a
liberdade refugiada. Um diálogo desejante corria pelas páginas como riacho de
serpentes e sentia-se que tudo estava decidido desde sempre. Até essas carícias
que enredavam o corpo do amante como que querendo retê-lo e dissuadi-lo
desenhavam abominavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir.
Nada havia sido esquecido: álibis, acasos, possíveis erros. A partir dessa hora
cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasse, sem
dó nem piedade, interrompia-se apenas para que uma mão acariciasse uma
bochecha. Começava a anoitecer.
Já sem se olharem, atados rigidamente à tarefa que os esperava, separaram-se na
porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho que ia ao norte. Do caminho
oposto, ele virou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu, por
sua vez, apoiando-se nas árvores e nas cercas, até distinguir na bruma do
crepúsculo a alameda que levava à casa. Os cachorros não deviam latir e não
latiram. O mordomo não estaria a essa hora, e não estava. Subiu os três degraus
da varanda e entrou. Do sangue galopando nos seus ouvidos chegavam-lhe as
palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois um longo corredor, uma
escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no
segundo. A porta do salão, e depois o punhal na mão, a luz das janelas, o alto
encosto de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um
romance.
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