30 de junho de 2012

Como não amar uma cidade onde um McDonald’s faliu?


por Téta Barbosa


Adorei esse texto e espero que curtam também.


Eu olindo, tu olindas, ele olinda. Nos domingos, nós olindamos.
Descobri que Olinda era verbo quando dei uma carona para o músico Erasto, irmão do percussionista Naná Vasconcelos. O irmão menos famoso do clã dos Vasconcelos escolheu a cidade alta para passar seus dias. Por lá escreveu o guia “das Olindas” que diz assim:
“Subi Mercado da Ribeira
Desci largo de São Bento
No largo do Varadouro
Na Praça do Jacaré
Afoxé, afoxé
Olinda mandou me chamar”
E, enquanto cantarolava no carro durante a carona, avisou: “pode me deixar nos Quatro Cantos mesmo, estou precisando Olindar”.
E como não amar a única cidade no mundo onde um McDonald’s faliu?
Olinda é mesmo uma cidade estranha. E isso me faz lembrar um causo, passado numa segunda-feira chuvosa num bar da cidade histórica. E esse conto, caro leitor, não se passou com a amiga da prima da minha sogra, não. Foi comigo mesmo que aconteceu, por isso posso atestar de pés juntos, a estranheza do acontecido.
Lá estávamos nós, amigos boêmios, numa festinha regada a jazz na sede da Pitombeira (bloco famoso nos dias de Carnaval). Entre uma música e outra, rolou um zum zum zum, à boca miúda, de que naquela mesma festinha estava Matt Dillon (ator famoso das bandas de Hollywood).
- Matt quem? É aquele que fez Supremacia Bourne?
- Não, é o do filme Crash, no Limite. Aquele do Oscar, pô.
Passada a confusão para diferenciar Matt Dillon de Matt Damon (americano é tudo igual) e Brad Pitt de Tom Cruise (que no calor na discussão, entraram na conversa sem ter nada a ver com o assunto), confirmamos a presença do famoso no local. Sim, era ele.
A notícia, que tinha potencial para se transformar em euforia, autógrafos e briga por fotos em qualquer lugar do mundo, parou por aí. É de Olinda que estamos falando, afinal de contas. Ninguém, repito, ninguém no recinto abordou o cara. Matt ficou lá; sozinho, carente.
O desprezo pelo moço chegou a tal ponto que ele teve que tirar fotos dele mesmo no balcão do bar. Deu até pena (dó, na linguagem do Sul, porque quem tem pena é galinha). Mas a atitude blasé dos olindenses dizia “Pra que Matt se a gente tem Erasto?”. Que mais além se transforma em “pra que McChicken, se aqui tem tapioca?” ou “pra que badalar, se a gente pode Olindar”?
O fato, meus amigos, é que Olinda não é uma cidade, é um estado de espírito. E ai dos turistas que passam rápido demais, tiram fotos demais, compram bugingangas demais e nem têm tempo de conjugar o verbo Olindar. Desses dá pena, de verdade.

Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali. Escreve aqui sempre às segundas-feiras sobre modismos, modernidades e curiosidades. Ela também tem um blog - Batida Salve Todos

4 de junho de 2012

Caminhos Urbanos de João Batista


Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino. Ele não abre mão do seu uniforme: terno cinza, suspensórios, gravata verde-musgo e a bíblia. Sim, uma bíblia. Usava-a junto à axila. Todos os dias, acordava antes do sol nascer, escovava os dentes, penteava os ralos cabelos brancos e ia até o Centro. Pecadores de todas as idades passavam por aquelas ruas. Gostava de começar o trabalho pela Presidente Vargas. Trazia-lhe a lembrança o tempo de Getúlio, “tempo de santidade e família” – dizia.

— O inimigo está atrás de vós. Ele busca tragar e consumir vocês. Cada copo de cerveja é uma passagem comprada pro inferno.

Uma moça de minissaia olha-o com repulsa. Cuspiria no velho se não fosse a multidão à sua volta pronta para proteger do pecado um defensor dos valores cristãos. Ele continuava gritando um sermão qualquer. Sua voz não era mais tão alta, mas o trabalho não pode parar. Erros da língua jorram da sua boca como um rio e orgulhoso disso, dizia a quem tentava corrigir-lhe o vocabulário: “estudei só até a quarta série ginasial”.

— Ei, você aí! Tá na hora de você se arrepender daquela noite de luxúria! Sua mulher não sabe que você botou um chifre nela, mas Deus sabe! Se você não se arrepender, o diabo vai fazer uma festa e te puxar pelo calcanhar. Aleluia!

É hora do almoço. A bíblia volta ao seu lugar habitual abaixo da axila, que agora suada, umidifica o papel. Pede um pastel com refresco. Repreende uma mulher ao lado que tomava Coca-Cola. “Isso aí é do demônio!” Sarcástica, ela pede outra latinha deixando-o roxo de revolta.

O dia agora está quase no fim. É a oportunidade perfeita de falar aos sobrecarregados. Ainda com a bíblia úmida, o velho toda uma composição rumo à Pavuna. O vagão está tão lotado que mal se aguenta respirar, entretanto, o velho recebe um entusiasmo divino, enche os pulmões e despeja o último sermão do dia. Uns fazem cara feia, outros fingem que não estão ouvindo. Há aqueles que realmente não ouvem.

A viagem termina com um único passageiro dentro do vagão. O velho pergunta se pode fazer uma oração. O homem diz que é ateu, sai pela porta deixando o pregador sem oração. Mas ele não desiste. Ele caminha até sua casa, toma um banho, ora e dorme. Mais um dia nasce. Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino...