4 de junho de 2012

Caminhos Urbanos de João Batista


Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino. Ele não abre mão do seu uniforme: terno cinza, suspensórios, gravata verde-musgo e a bíblia. Sim, uma bíblia. Usava-a junto à axila. Todos os dias, acordava antes do sol nascer, escovava os dentes, penteava os ralos cabelos brancos e ia até o Centro. Pecadores de todas as idades passavam por aquelas ruas. Gostava de começar o trabalho pela Presidente Vargas. Trazia-lhe a lembrança o tempo de Getúlio, “tempo de santidade e família” – dizia.

— O inimigo está atrás de vós. Ele busca tragar e consumir vocês. Cada copo de cerveja é uma passagem comprada pro inferno.

Uma moça de minissaia olha-o com repulsa. Cuspiria no velho se não fosse a multidão à sua volta pronta para proteger do pecado um defensor dos valores cristãos. Ele continuava gritando um sermão qualquer. Sua voz não era mais tão alta, mas o trabalho não pode parar. Erros da língua jorram da sua boca como um rio e orgulhoso disso, dizia a quem tentava corrigir-lhe o vocabulário: “estudei só até a quarta série ginasial”.

— Ei, você aí! Tá na hora de você se arrepender daquela noite de luxúria! Sua mulher não sabe que você botou um chifre nela, mas Deus sabe! Se você não se arrepender, o diabo vai fazer uma festa e te puxar pelo calcanhar. Aleluia!

É hora do almoço. A bíblia volta ao seu lugar habitual abaixo da axila, que agora suada, umidifica o papel. Pede um pastel com refresco. Repreende uma mulher ao lado que tomava Coca-Cola. “Isso aí é do demônio!” Sarcástica, ela pede outra latinha deixando-o roxo de revolta.

O dia agora está quase no fim. É a oportunidade perfeita de falar aos sobrecarregados. Ainda com a bíblia úmida, o velho toda uma composição rumo à Pavuna. O vagão está tão lotado que mal se aguenta respirar, entretanto, o velho recebe um entusiasmo divino, enche os pulmões e despeja o último sermão do dia. Uns fazem cara feia, outros fingem que não estão ouvindo. Há aqueles que realmente não ouvem.

A viagem termina com um único passageiro dentro do vagão. O velho pergunta se pode fazer uma oração. O homem diz que é ateu, sai pela porta deixando o pregador sem oração. Mas ele não desiste. Ele caminha até sua casa, toma um banho, ora e dorme. Mais um dia nasce. Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino...

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