Extraído do Livro "A Origem de Deus"
A
última vez que eu pisei em uma igreja evangélica foi a gota
d'água. Vi pessoas que eu amava sendo humilhadas por cometerem erros
e julgadas por pessoas tão erradas quanto. Enquanto umas se
sujeitavam a tudo para fazer o bem, outras aterrorizavam minha mente
com seus argumentos santos de que ter um equipamento de som supera a
necessidade de um banheiro digno aos fiéis. Fiéis a quem, afinal?
O
cristianismo segue defendendo a “família” como base da
sociedade, usando teses científicas das quais lutou para manter
underground e que obviamente não domina. A família sempre foi
apenas uma fotografia. Pai, mãe e filhos infelizes reunidos em uma
cena para mostrar ao mundo o que não eram. A falsidade sempre esteve
no meio de nós. O problema não é você crer em uma mentira, mas
querer fazer com que a sociedade viva isso como se fosse verdade.
Confesso que cheguei a acreditar nessas mentiras. A defendê-las.
Proclamá-las.
Enquanto
eu pregava na igreja, liderava o grupo de teatro, doava o meu tempo
para “A Casa do Senhor”, eu era também o gay - e claro, ninguém
sequer desconfiava disso. Antes de alegar, caro leitor, que sou
doente, que há cura para mim, que isso é uma escolha, etc,
pergunto-lhe: quando você escolheu ser heterossexual? Então, não
foi uma escolha? Que interessante. Que remédios devo tomar para
virar heterossexual? Você tem habilitação científica para
receitar algum? É estudioso da área? Entendo...
Darei
preferência ao termo GAY por ser o que mais me agrada e também por
ser o termo HOMOSSEXUAL, uma classificação contemporânea e
desnecessária, uma vez que em milhares de anos da história da
humanidade a relação entre pessoas do mesmo sexo permaneceu normal
até o advento do judaísmo. Como tradutor e profissional da área
posso afirmar com propriedade que não há no novo testamento qualquer
referência à homossexualidade pecaminosa, ao contrário há
indícios que grandes nomes citados na bíblia sejam homossexuais.
Aos
quatro anos de idade eu já sabia que gostava de homens e não de
meninas. Lembro que passava no SBT um programa da Carla Perez e
enquanto todos admiravam a beleza da loira do tchan, eu babava pelos
dançarinos.
Aos
sete anos, um episódio me marcou. A família comprou um fogão que
acabara de chegar. Estávamos eu e minha mãe em casa e fomos
desfazer a embalagem. Com medo que a tampa de vidro quebrasse eu dei
um grito. O cristianismo que todos dizem ser bom fez a pessoa que eu
mais amava olhar pra mim e dizer: “Eu não quero saber de filho
boiola!”. Aos sete anos eu não soube o que dizer. Disfarcei,
entrei no meu quarto e chorei silenciosamente. Minha infância foi
completamente marcada por momentos de choro em solidão.
Comecei
a falar sobre ser gay com alguns amigos aos 14 anos. Livrei-me de um
peso que ninguém que não tenha passado por isso conseguirá
compreender. Não se trata de afirmar-se gay, mas poder ser. A
liberdade de poder existir e poder compartilhar como qualquer pessoa
os seus sentimentos sem que isso gere ódio.
Aos
20 anos passei pelo primeiro caso de homofobia. E por mais que
algumas pessoas insistam em dizer que ela não existe, é fato que
vêm de pessoas que você menos espera. Era aniversário de um amigo.
Quando fomos nos despedir eu quis abraçá-lo como todos fizeram. Ele
se esquivou de mim como se eu fosse um bicho com uma doença
contagiosa. Alguns disseram “que isso, cara? Ele só quer te dar um
abraço”. Duas horas antes ele havia dito que eu era um dos seus
melhores amigos. Eu chorei outra vez. Passei uns dois dias sem comer.
Meu amigo me pediu desculpas e pediu que esquecesse a cena. Como?
Essa
semana li que um certo deputado a favor da cura gay mandou prender
duas jovens que estavam se beijando. Por que apenas uma forma de amor
é justa? Por que eu não posso amparar a pessoa que eu amo com tudo
o que eu tenho? Hitler propôs que os judeus eram uma ameaça à
sociedade, faz isso em nome de deus. Propôs que fossem levados ao
campo para tratamento. O deputado em questão propôs o mesmo em
relação aos gays.
É
muito fácil fazer chacota com uma luta que não é sua. É muito
fácil chamar hipocrisia de santidade, subir num altar e pregar que
"as literaturas corrompem o cérebro humano" baseando-se em
uma literatura sem autoria definida e de tradução duvidosa. É
fácil demais impor costumes cabrestos de um fanatismo religioso à
uma sociedade que aceita tudo pronto. É fácil demais dizer que gays
colocam uma amarra na boca de quem os chama de aberração abominável
e afirma isso como uma demonstração de amor e cuidado. O que essas
pessoas tentam tanto conservar? A mulher presa a um gineceu
particular? Armários não apenas para roupas, mas para seres
humanos? Uma família infeliz mascarando um sorriso para uma foto?
Conservar negros tendo que usar outra entrada em lugares públicos
para não "contaminar" o ambiente? Ou ainda manipular toda uma sociedade para que a personagem mais famosa do maior autor do Brasil fosse representada branca ao invés de negra como era criatura e seu criador. Tem gente precisando
entender que número de mortos se refere à pessoas e não à
personagens de revistas em quadrinhos.
Eu
sinto como se as pessoas quisessem me trancar dentro da minha própria
cabeça e eu tivesse que ficar fingindo que acredito como um judeu
fugindo do holocausto.