22 de setembro de 2013

SUICIDA

Uma jovem belíssima corre pelo convés do navio mais luxuosos de que se tem notícia. No caminho, esbarra em algumas pessoas esnobes, cheias de dinheiro. A respiração ofegante e as lágrimas nos olhos. Ela segue à popa do navio. O convés finalmente termina em uma grade que separa a jovem do infinito. A morte nunca foi tão desejada. Enquanto seu corpo ultrapassa os limites da proteção, sua mente suicida grita. Grita o que queria ser e não foi. Os jantares finos, cheios de conversas fiadas, pessoas impecavelmente bonitas e desprovidas de quaisquer infelicidades. De repente se vê em uma mesa cheia de vestidos e paletós, sorridente, como se dominasse a felicidade ao seu dispor. Sorri enquanto a dor a tortura. É uma tortura oriental lenta e sorrateira. O fim é logo ali, depois da popa.

Já me senti assim algumas vezes. Vezes tais em que as lágrimas não são suficientes para fazer sair a dor que ecoa na alma. E enquanto se desespera, o sorriso não sai dos lábios. É preciso dizer que tudo é perfeito. Uma aparência alegórica. Há algo podre em cada um de nós, que em seus carros luxuosos e suas casas seguras não se pode ver.


Se eu beber até a morte ninguém vai perceber. Talvez não houvesse dor. E quem se importaria com a dor de quem tem tudo o que se pode sonhar. A grama do vizinho só é mais verde vista de um dos lados do arco-íris. De perto é podada irregularmente. Feia. No fundo todos somos suicidas, só não temos coragem para isso.

18 de setembro de 2013

Como um judeu fugindo do holocausto

Extraído do Livro "A Origem de Deus"

A última vez que eu pisei em uma igreja evangélica foi a gota d'água. Vi pessoas que eu amava sendo humilhadas por cometerem erros e julgadas por pessoas tão erradas quanto. Enquanto umas se sujeitavam a tudo para fazer o bem, outras aterrorizavam minha mente com seus argumentos santos de que ter um equipamento de som supera a necessidade de um banheiro digno aos fiéis. Fiéis a quem, afinal?

O cristianismo segue defendendo a “família” como base da sociedade, usando teses científicas das quais lutou para manter underground e que obviamente não domina. A família sempre foi apenas uma fotografia. Pai, mãe e filhos infelizes reunidos em uma cena para mostrar ao mundo o que não eram. A falsidade sempre esteve no meio de nós. O problema não é você crer em uma mentira, mas querer fazer com que a sociedade viva isso como se fosse verdade. Confesso que cheguei a acreditar nessas mentiras. A defendê-las. Proclamá-las.

Enquanto eu pregava na igreja, liderava o grupo de teatro, doava o meu tempo para “A Casa do Senhor”, eu era também o gay - e claro, ninguém sequer desconfiava disso. Antes de alegar, caro leitor, que sou doente, que há cura para mim, que isso é uma escolha, etc, pergunto-lhe: quando você escolheu ser heterossexual? Então, não foi uma escolha? Que interessante. Que remédios devo tomar para virar heterossexual? Você tem habilitação científica para receitar algum? É estudioso da área? Entendo...

Darei preferência ao termo GAY por ser o que mais me agrada e também por ser o termo HOMOSSEXUAL, uma classificação contemporânea e desnecessária, uma vez que em milhares de anos da história da humanidade a relação entre pessoas do mesmo sexo permaneceu normal até o advento do judaísmo. Como tradutor e profissional da área posso afirmar com propriedade que não há no novo testamento qualquer referência à homossexualidade pecaminosa, ao contrário há indícios que grandes nomes citados na bíblia sejam homossexuais.

Aos quatro anos de idade eu já sabia que gostava de homens e não de meninas. Lembro que passava no SBT um programa da Carla Perez e enquanto todos admiravam a beleza da loira do tchan, eu babava pelos dançarinos.

Aos sete anos, um episódio me marcou. A família comprou um fogão que acabara de chegar. Estávamos eu e minha mãe em casa e fomos desfazer a embalagem. Com medo que a tampa de vidro quebrasse eu dei um grito. O cristianismo que todos dizem ser bom fez a pessoa que eu mais amava olhar pra mim e dizer: “Eu não quero saber de filho boiola!”. Aos sete anos eu não soube o que dizer. Disfarcei, entrei no meu quarto e chorei silenciosamente. Minha infância foi completamente marcada por momentos de choro em solidão.

Comecei a falar sobre ser gay com alguns amigos aos 14 anos. Livrei-me de um peso que ninguém que não tenha passado por isso conseguirá compreender. Não se trata de afirmar-se gay, mas poder ser. A liberdade de poder existir e poder compartilhar como qualquer pessoa os seus sentimentos sem que isso gere ódio.

Aos 20 anos passei pelo primeiro caso de homofobia. E por mais que algumas pessoas insistam em dizer que ela não existe, é fato que vêm de pessoas que você menos espera. Era aniversário de um amigo. Quando fomos nos despedir eu quis abraçá-lo como todos fizeram. Ele se esquivou de mim como se eu fosse um bicho com uma doença contagiosa. Alguns disseram “que isso, cara? Ele só quer te dar um abraço”. Duas horas antes ele havia dito que eu era um dos seus melhores amigos. Eu chorei outra vez. Passei uns dois dias sem comer. Meu amigo me pediu desculpas e pediu que esquecesse a cena. Como?

Essa semana li que um certo deputado a favor da cura gay mandou prender duas jovens que estavam se beijando. Por que apenas uma forma de amor é justa? Por que eu não posso amparar a pessoa que eu amo com tudo o que eu tenho? Hitler propôs que os judeus eram uma ameaça à sociedade, faz isso em nome de deus. Propôs que fossem levados ao campo para tratamento. O deputado em questão propôs o mesmo em relação aos gays.

É muito fácil fazer chacota com uma luta que não é sua. É muito fácil chamar hipocrisia de santidade, subir num altar e pregar que "as literaturas corrompem o cérebro humano" baseando-se em uma literatura sem autoria definida e de tradução duvidosa. É fácil demais impor costumes cabrestos de um fanatismo religioso à uma sociedade que aceita tudo pronto. É fácil demais dizer que gays colocam uma amarra na boca de quem os chama de aberração abominável e afirma isso como uma demonstração de amor e cuidado. O que essas pessoas tentam tanto conservar? A mulher presa a um gineceu particular? Armários não apenas para roupas, mas para seres humanos? Uma família infeliz mascarando um sorriso para uma foto? Conservar negros tendo que usar outra entrada em lugares públicos para não "contaminar" o ambiente? Ou ainda manipular toda uma sociedade para que a personagem mais famosa do maior autor do Brasil fosse representada branca ao invés de negra como era criatura e seu criador. Tem gente precisando entender que número de mortos se refere à pessoas e não à personagens de revistas em quadrinhos.

Eu sinto como se as pessoas quisessem me trancar dentro da minha própria cabeça e eu tivesse que ficar fingindo que acredito como um judeu fugindo do holocausto.