8 de agosto de 2012

Velha Cama


Desde menina sempre gostava de olhar o sol se por, não pela beleza da luz que o astro projetava na paisagem, mas por ser menos um dia a esperar seu amor. Contava Laura dezesseis e Carlos poucos meses a mais. Cresceram juntos e como qualquer leitor pode imaginar, apaixonaram-se em demasiado e tendo pais tomados por uma velha amizade, tiveram permissão para o namoro. Não sejas aqui confundido, oh leitor, pois tenho pra mim que nenhuma paixão é cândida e esse namorico escondeu muito das safadezas e perversidades que já se conheceu na terra.

Posso dizer de minha intuição que já não era casta quando Carlos partiu com o exército. O país entrou em guerra sabe-se lá porque, e coitadinha ficou sem chamego. Sugeri então que enquanto o rapaz não voltasse poderia ter em mim um amigo. Primeiro tomou meu convite por ofensa, mas depois caiu nos meus braços que só. Todos os dias ao por do sol, o exército trazia feridos e mortos de volta à cidade. Laura religiosamente acompanhava o cortejo temendo encontrar o tão amado soldadinho. Não atentava a mim, entre seus lençóis e continuava a janela até a escuridão tomar o horizonte.

Quando a lua já era noite, deitava-se nua ao meu lado e me amava. Terminávamos suados e eu tendo de me levantar e partir. Sugeri que esquecesse o paspalho e sossegasse em mim que era homem presente, mas Laura não quis. Decidi, então, que não seria objeto de segunda opção e fui-me para longe dela. Não tardou em vir me procurar quando o cortejo ao por do sol de um dia desses, domingo ou sexta-feira, trouxe o corpo de Carlos. Faltava-lhe uma perna, a direita. Depositaram o defunto na cama onde nos desfrutávamos. Não aguentou ficar ali vendo seu amado no lugar do amante e veio pedir-me sepultura ao pobre. Não pude negar o pedido visto que seria desonroso para mim, mas tive raiva. Queria que ficasse ali para sempre.

Velório feito e defunto enterrado, Laura não quis dormir na velha cama. Não podendo dar desculpa aos pais, desceu às escondidas a janela. Desequilibrou-se e caiu morta no chão. Tive de arrumar outro velório e enterrar outro defunto e ainda estou só, sem chamego. Mas Laura sempre estará ardente, nua naquela velha cama.

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