Desde menina sempre gostava de olhar o sol se por, não pela
beleza da luz que o astro projetava na paisagem, mas por ser menos um dia a
esperar seu amor. Contava Laura dezesseis e Carlos poucos meses a mais.
Cresceram juntos e como qualquer leitor pode imaginar, apaixonaram-se em
demasiado e tendo pais tomados por uma velha amizade, tiveram permissão para o
namoro. Não sejas aqui confundido, oh leitor, pois tenho pra mim que nenhuma
paixão é cândida e esse namorico escondeu muito das safadezas e perversidades
que já se conheceu na terra.
Posso dizer de minha intuição que já não era casta quando
Carlos partiu com o exército. O país entrou em guerra sabe-se lá porque, e
coitadinha ficou sem chamego. Sugeri então que enquanto o rapaz não voltasse
poderia ter em mim um amigo. Primeiro tomou meu convite por ofensa, mas depois
caiu nos meus braços que só. Todos os dias ao por do sol, o exército trazia
feridos e mortos de volta à cidade. Laura religiosamente acompanhava o cortejo
temendo encontrar o tão amado soldadinho. Não atentava a mim, entre seus
lençóis e continuava a janela até a escuridão tomar o horizonte.
Quando a lua já era noite, deitava-se nua ao meu lado e me
amava. Terminávamos suados e eu tendo de me levantar e partir. Sugeri que esquecesse
o paspalho e sossegasse em mim que era homem presente, mas Laura não quis.
Decidi, então, que não seria objeto de segunda opção e fui-me para longe dela.
Não tardou em vir me procurar quando o cortejo ao por do sol de um dia desses,
domingo ou sexta-feira, trouxe o corpo de Carlos. Faltava-lhe uma perna, a
direita. Depositaram o defunto na cama onde nos desfrutávamos. Não aguentou
ficar ali vendo seu amado no lugar do amante e veio pedir-me sepultura ao
pobre. Não pude negar o pedido visto que seria desonroso para mim, mas tive
raiva. Queria que ficasse ali para sempre.
Velório feito e defunto enterrado, Laura não quis dormir na
velha cama. Não podendo dar desculpa aos pais, desceu às escondidas a janela.
Desequilibrou-se e caiu morta no chão. Tive de arrumar outro velório e enterrar
outro defunto e ainda estou só, sem chamego. Mas Laura sempre estará ardente,
nua naquela velha cama.
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