31 de agosto de 2012

A Criação


— Fique de pé.

A Dra. Tânia Magalhães pode ser tomada por um anacronismo. Tudo em seu laboratório remetia a seus dias de glória científica e à realização de seu maior sonho. Era como se o presente fosse um inconveniente vento que desarrumava-lhe os cabelos enquanto ajeitava o penteado.

— Ajoelhe-se.

Aquiles, Teseu, Ulisses e tantos outros heróis buscavam em suas lutas o que os gregos chamavam de Arethé. A virtude que um homem alcançava, não por matar milhares, mas por vencer o invensível. A eternidade que era iniciada na morte, quando seus nomes eram lembrados para sempre. Desde o fechamento da Universidade, a Dra. Tânia trabalhava em seus projetos secretos, minotauros particulares que pretendia vencer para tornar seu nome imortal.

— Levante os braços.

A horrenda criatura obedecia à cada uma de suas ordens. Era viva, o fôlego da sua respiração era como um motor oscilante e o coração fazia surgir um relevo sobre a pele que deixaria qualquer um hesitante. Indubitavelmente, Dra. Tânia não era “qualquer um”. Ela sorria para os olhos brancos e sem vida da criatura que carinhosamente apelidara de Caos, pois assim como o deus heleno, seria o princípio de um exército criado segundo à sua vontade para realizar os seus desejos.

Percorreu os braços peludos e amarronzados do monstro procurando encontrar algo a ser corrigido. Olhos de águia, fucinho canino, asas gigantes de um urubu genéticamente modificado, tronco e membros superiores de homem e, finalmente, as pernas equinas. Cada parte do corpo de Caos foi projetada para que nada superasse a criatura. A primeira vez que imaginou sua futura criação, há 50 anos atrás, Dra. Tânia não tinha a pele enrugada e amarelada com agora. Seus olhos podiam enchergar sem as lentes de aumento e seu corpo infinitamente mais ágil, sem a tremedeira da idade.

— Durma.




Trecho do livro "O Prédio-Mundo", Nathan Rodrigues.

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