— Fique de pé.
A Dra. Tânia Magalhães pode ser tomada por um anacronismo.
Tudo em seu laboratório remetia a seus dias de glória científica e à realização
de seu maior sonho. Era como se o presente fosse um inconveniente vento que
desarrumava-lhe os cabelos enquanto ajeitava o penteado.
— Ajoelhe-se.
Aquiles, Teseu, Ulisses e tantos outros heróis buscavam em
suas lutas o que os gregos chamavam de Arethé. A virtude que um homem
alcançava, não por matar milhares, mas por vencer o invensível. A eternidade
que era iniciada na morte, quando seus nomes eram lembrados para sempre. Desde
o fechamento da Universidade, a Dra. Tânia trabalhava em seus projetos
secretos, minotauros particulares que pretendia vencer para tornar seu nome
imortal.
— Levante os braços.
A horrenda criatura obedecia à cada uma de suas ordens. Era
viva, o fôlego da sua respiração era como um motor oscilante e o coração fazia
surgir um relevo sobre a pele que deixaria qualquer um hesitante.
Indubitavelmente, Dra. Tânia não era “qualquer um”. Ela sorria para os olhos
brancos e sem vida da criatura que carinhosamente apelidara de Caos, pois assim
como o deus heleno, seria o princípio de um exército criado segundo à sua
vontade para realizar os seus desejos.
Percorreu os braços peludos e amarronzados do monstro
procurando encontrar algo a ser corrigido. Olhos de águia, fucinho canino, asas
gigantes de um urubu genéticamente modificado, tronco e membros superiores de
homem e, finalmente, as pernas equinas. Cada parte do corpo de Caos foi projetada
para que nada superasse a criatura. A primeira vez que imaginou sua futura
criação, há 50 anos atrás, Dra. Tânia não tinha a pele enrugada e amarelada com
agora. Seus olhos podiam enchergar sem as lentes de aumento e seu corpo
infinitamente mais ágil, sem a tremedeira da idade.
— Durma.
Trecho do livro "O Prédio-Mundo", Nathan Rodrigues.
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