30 de dezembro de 2012

o Loiro


Era tarde quando você apareceu. Cabelos louros, curtos, olhos verdes como esmeralda e voz amadeirada. Um menino quase homem. Uniforme azul e branco de escola. Queria os meus serviços. Insistiu mesmo dizendo-lhe que não, que causaria problemas se alguém descobrisse. Durante uma semana veio todos os dias.

A escola ficava há uma quadra do meu apartamento. Da varanda via você chegando. A campainha tocava e meu coração pulava. Meu corpo desejava o seu. Quando abri a porta não falamos nada. Minha boca encontrou a sua e acabamos nos unindo. Seu rosto imberbe, quase infante, quase aner. Despia o uniforme enquanto meu corpo queimava. Fizemos amor. Não sexo, mas amor de verdade.

Desejava mais que ao dinheiro. Não queria que pagasse. A única coisa que eu desejava é que retornasse todos os dias. Todos os dias ao meio-dia a campainha tocava, fazíamos amor, conversávamos e tudo voltava ao normal. Você ia embora e eu continuava a atender meus clientes.

Um dia chegou aqui, barba mal feita, calça e camisa social, pediu-me em matrimônio. Não tive reação. Queria rir, queria dizer sim, mas não era certo. O que iriam falar? Seus pais, a sociedade, os amigos. Mesmo querendo gritar afirmativamente eu disse não porque era o certo. Nossas lágrimas, seus gritos, a indignação no seu rosto e seu corpo no chão da calçada. Pensaram que eu havia lhe jogado. Meu amor. Após aquele dia passei o restante a minha vida na cadeia. Até estar aqui nesse túmulo fétido, deixando-me ser devorada pelos insetos. 

31 de outubro de 2012

Era pra ser um romance, mas não chegará a isso


Estou tão cheio e ao mesmo tempo vazio de tudo. A vida se resume em redes sociais recheadas de pessoas falsas com suas máscaras de amigo e frases de efeito moral alheio. E a vida segue. Como um rio, sem parar. Eu gostaria que este texto fosse um conto, um romance, uma crônica talvez. Mas não sei se chegará a isso.

Tudo o que eu queria era uma boa conversa com amigos de verdade, uma boa bebida, uma música bucólica, num fim de tarde outonal ou simplesmente com a chuva caindo sorrateira. É pedir demais ser feliz. Tudo tão rotineiro, tão sazonal.  A gente nasce, cresce, (alguns se reproduzem), e morre. É isso e só.

Eu perco demais a minha vida na frente da tv, do computador, com pessoas que buscam discutir coisas idiotas e infames. Se tenho preguiça de acordar cedo, fico cansado por dormir até tarde. É tanto calor que desfaleço. Somos só isso.

Não quero uma oportunidade de voltar e fazer tudo de novo. Quero uma virada que me faça desejar continuar nessa vida. Que seja o batuque de uma religião desconhecida, o canto de uma menina inocente ou simplesmente um oi. Que as portas se abram como um furacão. Que seja eterna a busca e infinita a conquista da felicidade.

22 de outubro de 2012

Estupro


Tira a roupa.
Eu não quero.
Não perguntei se você quer.
Não vou tirar a roupa.
Ahh!
Vai tirar agora ou quer que eu rasgue mais?
Para! Me solta!!!
Grita mais, grita!
Socorro!
Escuta aqui sua putinha, se tu gritar outra vez...
O quê? Vai fazer o quê? Ahh!!!
Gostou vadia? Que apanhar mais quer?
Não! Para, por favor, para!
Cala a boca e chupa!
Não!
Chupa ou eu arranco os teus dentes na base do tapa
Por favor, não... Eu não quero...
Você ainda não entendeu: quem manda nessa porra sou eu! Agora chupa. Isso... Assim... Ahh!
Tá gostoso agora, filho da puta!
Meu pau, sua vaca!

4 de setembro de 2012

Cotas de preconceito garantidas em lei




As políticas públicas adotadas em nosso país estão longe do sonho de consumo dos habitantes. Quando deitamos nossas cabeças no travesseiro pensamos que não há a menor possibilidade de ficar pior e, quando acordamos nos vêm mais surpresas. Algumas semanas atrás, o STJ optou por priorizar o caso das cotas ao invés do mensalão (isso depois de retroceder na Lei da Ficha Limpa). E para variar em sua eficiência, Vossas Excelências aprovaram um desrespeito aos milhões de estudantes brasileiros: cotas de 50% para negros, índios e estudantes de escolas públicas.

Teorizando um pouco o assunto, a ação do STJ nada mais é que uma medida compensatória dos defensores da “Ação Afirmativa”, termo adotado pelo ex-presidente americano Kennedy em 1961 para aumentar as oportunidades das minorias. A ideia é maravilhosa, porém totalmente inviável na prática.

Um candidato negro pode usar como trunfo a cor da sua pele para entrar numa universidade, porém um candidato branco não tem o mesmo direito. Além disso, supõe-se que através da filosofia adotada um candidato negro não teria as mesmas integridades mentais que um branco e por isso necessitaria de uma vaga específica para ele. As políticas de ação afirmativa não levam em conta a capacidade intelectual das minorias. Se já é difícil ser aceito em um grupo seleto de aprovados imagine só em um muito menor? As cotas raciais beneficiam apenas negros de classes mais elevadas cujos candidatos tiveram maior acesso à educação.

É de natureza simplíssima em uma reunião numa sala refrigerada e confortável decidir pela obrigatoriedade de aceitação de deficientes em escolas. Ora, pois, esqueceram-se de pensar como se conseguiriam mão de obra qualificada para executar tal lei? Uma vez que estamos falando de vidas e da sua formação intelectual, como poderíamos confiar nossos filhos à professores desqualificados (com plena consciência disso) porém, ainda assim, obrigados a lecionar?

Pergunto-me como pode uma universidade se destacar em exames como o Enade com um processo de admissão que favorece pessoas desqualificadas? Destaco aqui a frase da pesquisadora americana Young “Em hipótese alguma se pode sacrificar a ciência em nome da política”.

Cotas, Prouni, Pronatec e tantos outros grãos de farinha deste mesmo saco constituem desculpas esfarrapadas para enganar o cidadão brasileiro. Uma vez que a educação de qualidade é direito de todo o cidadão, gostaria de saber por que não há vagas nem universidades para todos? Por que nossos jovens precisam gastar boa parte do seu tempo em processos de admissão em universidades de direito e ainda não passar na prova da OAB? Se há faculdades incompetentes é porque há também a falta de fiscalização por parte das “autoridades”.

Dilma e as universidades – os estudantes Pira!

31 de agosto de 2012

A Criação


— Fique de pé.

A Dra. Tânia Magalhães pode ser tomada por um anacronismo. Tudo em seu laboratório remetia a seus dias de glória científica e à realização de seu maior sonho. Era como se o presente fosse um inconveniente vento que desarrumava-lhe os cabelos enquanto ajeitava o penteado.

— Ajoelhe-se.

Aquiles, Teseu, Ulisses e tantos outros heróis buscavam em suas lutas o que os gregos chamavam de Arethé. A virtude que um homem alcançava, não por matar milhares, mas por vencer o invensível. A eternidade que era iniciada na morte, quando seus nomes eram lembrados para sempre. Desde o fechamento da Universidade, a Dra. Tânia trabalhava em seus projetos secretos, minotauros particulares que pretendia vencer para tornar seu nome imortal.

— Levante os braços.

A horrenda criatura obedecia à cada uma de suas ordens. Era viva, o fôlego da sua respiração era como um motor oscilante e o coração fazia surgir um relevo sobre a pele que deixaria qualquer um hesitante. Indubitavelmente, Dra. Tânia não era “qualquer um”. Ela sorria para os olhos brancos e sem vida da criatura que carinhosamente apelidara de Caos, pois assim como o deus heleno, seria o princípio de um exército criado segundo à sua vontade para realizar os seus desejos.

Percorreu os braços peludos e amarronzados do monstro procurando encontrar algo a ser corrigido. Olhos de águia, fucinho canino, asas gigantes de um urubu genéticamente modificado, tronco e membros superiores de homem e, finalmente, as pernas equinas. Cada parte do corpo de Caos foi projetada para que nada superasse a criatura. A primeira vez que imaginou sua futura criação, há 50 anos atrás, Dra. Tânia não tinha a pele enrugada e amarelada com agora. Seus olhos podiam enchergar sem as lentes de aumento e seu corpo infinitamente mais ágil, sem a tremedeira da idade.

— Durma.




Trecho do livro "O Prédio-Mundo", Nathan Rodrigues.

24 de agosto de 2012

A incompetência no meio de nós



Vou escrever minha indignação, pois seria necessária uma dúzia de bombas atômicas para externá-la de maneira justa. Estou, definitivamente, cercado de incompetentes. Somos uma das maiores economias do mundo, com corrupção a dar e vender, e ainda tenho que aturar empresas privadas com descaso no atendimento.

Quem vive no Rio de Janeiro como eu deve ter pelo menos uma reclamação à empresa de energia Ampla. Além de achar que nossa eletricidade é feita de ouro, dá-se ao desfrute de demorar a atender pedidos de assistência. Alguns já sabem, tenho bronquite crônica e faço sessões diárias de inalação. Pois um dia desses ao chegar à minha casa esbaforido descobri para meu desespero não havia energia (apenas na minha casa). Ligamos para o SAC da companhia que prometeu enviar ‘urgentemente’ uma equipe ao local, mas que levaria pelo menos 23 horas. As 23 horas transformaram-se em 4 dias de muito sufoco com diversas idas e vindas do hospital. Por fim, meu pai chamou por conta própria um eletricista que resolveu o problema na mesma hora e estamos até hoje esperando a equipe de ‘emergência’ da Ampla. A empresa quebrou neste caso o DECRETO Nº 6.523, Art. 17:  As informações solicitadas pelo consumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro.

Devo agregar à minha lista negra as empresas de telecomunicações. Sobre estas fui consolado com as medidas da ANATEL, mas que pra mim de nada resolveram. As principais empresas de internet a cabo (GVT, NET, SIM) não fazem instalação na minha casa por alegarem ‘inviabilidade técnica’. A grande verdade é que moro em uma comunidade as empresas temem por roubo de serviço, o famoso “gato-net”, e nessa brincadeira que se ferra sou eu tendo que usar as caras versões 3G da banda larga. Depois levar um susto com a OI, recebendo uma conta de 500 reais, migrei para a TIM. Há dois anos com o serviço o sinal diminuiu tanto que não consigo usar. Por vezes chega a 15%, mas como não vão me permitir pagar 15% da conta eu resolvi comprar a pré-paga da CLARO, já que meu celular é dessa operadora e nunca tive problemas. Se o sinal da TIM era 15% sem fronteiras, o da CLARO chegava a 98% e eu não conseguia acessar absolutamente nada. Começou outra odisseia: voltei na loja, mas fui direcionado para o SAC. Do momento em que a chamada inicia à opção de falar com um atendente são exatos 15 minutos de propagandas e coisas imbecis, infringindo o Art. 14 do Decreto acima citado:  É vedada a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, salvo se houver prévio consentimento do consumidor. Completou-se 20 dias e não tive uma resposta ou solução, mas uma vez quebra do Art. 17 (parágrafo anterior).

Em uma breve ação divina, a OI ofereceu-me seus serviços a cabo e eu obviamente aceitei. Prometeram-me enviar um modem wi-fi para utilização da internet em 7 dias úteis. E lá se foram 15 dias além do prazo e estou decompondo minha paciência. O SAC da empresa me dá diariamente um prazo diferente cada vez que eu ligo, descumprindo o Art. 17.  § 2o : A resposta do fornecedor será clara e objetiva e deverá abordar todos os pontos da demanda do consumidor.

E pra piorar a empresa forneceu meus dados pessoais à UOL e agora tem um infeliz ligando pra minha casa, dizendo que sou obrigado a assinar um provedor por 16,90 para poder usar minha internet. Uma vez que fiz todas as perguntas no ato da assinatura da OI, sei muito bem que há uma lista com 12 provedores gratuitos no site da OI para eu escolher. Minha opção foi o R7 que uso para e-mail e é totalmente gratuito. Considerando que qualquer pessoa que usa internet sabe que a UOL custa 9,90 por que eu pagaria a mais? Infelizmente, o SAC da OI descumpre o Art. 5º  (O SAC estará disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, ressalvado o disposto em normas específicas), funcionando somente até às 20 horas e não pode no presente momento responder minhas dúvidas.

E volta o cão arrependido com a cabeça baixa e o rabo entre as patas.


8 de agosto de 2012

Velha Cama


Desde menina sempre gostava de olhar o sol se por, não pela beleza da luz que o astro projetava na paisagem, mas por ser menos um dia a esperar seu amor. Contava Laura dezesseis e Carlos poucos meses a mais. Cresceram juntos e como qualquer leitor pode imaginar, apaixonaram-se em demasiado e tendo pais tomados por uma velha amizade, tiveram permissão para o namoro. Não sejas aqui confundido, oh leitor, pois tenho pra mim que nenhuma paixão é cândida e esse namorico escondeu muito das safadezas e perversidades que já se conheceu na terra.

Posso dizer de minha intuição que já não era casta quando Carlos partiu com o exército. O país entrou em guerra sabe-se lá porque, e coitadinha ficou sem chamego. Sugeri então que enquanto o rapaz não voltasse poderia ter em mim um amigo. Primeiro tomou meu convite por ofensa, mas depois caiu nos meus braços que só. Todos os dias ao por do sol, o exército trazia feridos e mortos de volta à cidade. Laura religiosamente acompanhava o cortejo temendo encontrar o tão amado soldadinho. Não atentava a mim, entre seus lençóis e continuava a janela até a escuridão tomar o horizonte.

Quando a lua já era noite, deitava-se nua ao meu lado e me amava. Terminávamos suados e eu tendo de me levantar e partir. Sugeri que esquecesse o paspalho e sossegasse em mim que era homem presente, mas Laura não quis. Decidi, então, que não seria objeto de segunda opção e fui-me para longe dela. Não tardou em vir me procurar quando o cortejo ao por do sol de um dia desses, domingo ou sexta-feira, trouxe o corpo de Carlos. Faltava-lhe uma perna, a direita. Depositaram o defunto na cama onde nos desfrutávamos. Não aguentou ficar ali vendo seu amado no lugar do amante e veio pedir-me sepultura ao pobre. Não pude negar o pedido visto que seria desonroso para mim, mas tive raiva. Queria que ficasse ali para sempre.

Velório feito e defunto enterrado, Laura não quis dormir na velha cama. Não podendo dar desculpa aos pais, desceu às escondidas a janela. Desequilibrou-se e caiu morta no chão. Tive de arrumar outro velório e enterrar outro defunto e ainda estou só, sem chamego. Mas Laura sempre estará ardente, nua naquela velha cama.

30 de junho de 2012

Como não amar uma cidade onde um McDonald’s faliu?


por Téta Barbosa


Adorei esse texto e espero que curtam também.


Eu olindo, tu olindas, ele olinda. Nos domingos, nós olindamos.
Descobri que Olinda era verbo quando dei uma carona para o músico Erasto, irmão do percussionista Naná Vasconcelos. O irmão menos famoso do clã dos Vasconcelos escolheu a cidade alta para passar seus dias. Por lá escreveu o guia “das Olindas” que diz assim:
“Subi Mercado da Ribeira
Desci largo de São Bento
No largo do Varadouro
Na Praça do Jacaré
Afoxé, afoxé
Olinda mandou me chamar”
E, enquanto cantarolava no carro durante a carona, avisou: “pode me deixar nos Quatro Cantos mesmo, estou precisando Olindar”.
E como não amar a única cidade no mundo onde um McDonald’s faliu?
Olinda é mesmo uma cidade estranha. E isso me faz lembrar um causo, passado numa segunda-feira chuvosa num bar da cidade histórica. E esse conto, caro leitor, não se passou com a amiga da prima da minha sogra, não. Foi comigo mesmo que aconteceu, por isso posso atestar de pés juntos, a estranheza do acontecido.
Lá estávamos nós, amigos boêmios, numa festinha regada a jazz na sede da Pitombeira (bloco famoso nos dias de Carnaval). Entre uma música e outra, rolou um zum zum zum, à boca miúda, de que naquela mesma festinha estava Matt Dillon (ator famoso das bandas de Hollywood).
- Matt quem? É aquele que fez Supremacia Bourne?
- Não, é o do filme Crash, no Limite. Aquele do Oscar, pô.
Passada a confusão para diferenciar Matt Dillon de Matt Damon (americano é tudo igual) e Brad Pitt de Tom Cruise (que no calor na discussão, entraram na conversa sem ter nada a ver com o assunto), confirmamos a presença do famoso no local. Sim, era ele.
A notícia, que tinha potencial para se transformar em euforia, autógrafos e briga por fotos em qualquer lugar do mundo, parou por aí. É de Olinda que estamos falando, afinal de contas. Ninguém, repito, ninguém no recinto abordou o cara. Matt ficou lá; sozinho, carente.
O desprezo pelo moço chegou a tal ponto que ele teve que tirar fotos dele mesmo no balcão do bar. Deu até pena (dó, na linguagem do Sul, porque quem tem pena é galinha). Mas a atitude blasé dos olindenses dizia “Pra que Matt se a gente tem Erasto?”. Que mais além se transforma em “pra que McChicken, se aqui tem tapioca?” ou “pra que badalar, se a gente pode Olindar”?
O fato, meus amigos, é que Olinda não é uma cidade, é um estado de espírito. E ai dos turistas que passam rápido demais, tiram fotos demais, compram bugingangas demais e nem têm tempo de conjugar o verbo Olindar. Desses dá pena, de verdade.

Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali. Escreve aqui sempre às segundas-feiras sobre modismos, modernidades e curiosidades. Ela também tem um blog - Batida Salve Todos

4 de junho de 2012

Caminhos Urbanos de João Batista


Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino. Ele não abre mão do seu uniforme: terno cinza, suspensórios, gravata verde-musgo e a bíblia. Sim, uma bíblia. Usava-a junto à axila. Todos os dias, acordava antes do sol nascer, escovava os dentes, penteava os ralos cabelos brancos e ia até o Centro. Pecadores de todas as idades passavam por aquelas ruas. Gostava de começar o trabalho pela Presidente Vargas. Trazia-lhe a lembrança o tempo de Getúlio, “tempo de santidade e família” – dizia.

— O inimigo está atrás de vós. Ele busca tragar e consumir vocês. Cada copo de cerveja é uma passagem comprada pro inferno.

Uma moça de minissaia olha-o com repulsa. Cuspiria no velho se não fosse a multidão à sua volta pronta para proteger do pecado um defensor dos valores cristãos. Ele continuava gritando um sermão qualquer. Sua voz não era mais tão alta, mas o trabalho não pode parar. Erros da língua jorram da sua boca como um rio e orgulhoso disso, dizia a quem tentava corrigir-lhe o vocabulário: “estudei só até a quarta série ginasial”.

— Ei, você aí! Tá na hora de você se arrepender daquela noite de luxúria! Sua mulher não sabe que você botou um chifre nela, mas Deus sabe! Se você não se arrepender, o diabo vai fazer uma festa e te puxar pelo calcanhar. Aleluia!

É hora do almoço. A bíblia volta ao seu lugar habitual abaixo da axila, que agora suada, umidifica o papel. Pede um pastel com refresco. Repreende uma mulher ao lado que tomava Coca-Cola. “Isso aí é do demônio!” Sarcástica, ela pede outra latinha deixando-o roxo de revolta.

O dia agora está quase no fim. É a oportunidade perfeita de falar aos sobrecarregados. Ainda com a bíblia úmida, o velho toda uma composição rumo à Pavuna. O vagão está tão lotado que mal se aguenta respirar, entretanto, o velho recebe um entusiasmo divino, enche os pulmões e despeja o último sermão do dia. Uns fazem cara feia, outros fingem que não estão ouvindo. Há aqueles que realmente não ouvem.

A viagem termina com um único passageiro dentro do vagão. O velho pergunta se pode fazer uma oração. O homem diz que é ateu, sai pela porta deixando o pregador sem oração. Mas ele não desiste. Ele caminha até sua casa, toma um banho, ora e dorme. Mais um dia nasce. Está quente. São seis da manhã e o sol já está à pino...

25 de maio de 2012

Vaidade, amiga da ignorância




Há alguns anos, cientistas afirmavam (teorizavam) que o Homo sapiens sapiens usava cerca de 15% da capacidade de autonomia do seu cérebro. Essa é uma das desculpas que eram dadas para justificar as ignorâncias cometidas (seja com palavras ou ações) pelos seres humanos. Ainda hoje, em plena era da tecnologia, onde o Google lhe dá qualquer informação em segundos, a ignorância e a repugnância pelo saber são filhos legítimos de algumas pessoas.

Já ouvi muitos reclamarem não saber “ler” a Bíblia e que esta só pode ser traduzida “pelo Espírito”. Ora, acredito que Deus não nos deixaria algo tão importante privando-nos de conhecer o que é dádiva. Os cursos de grego e hebraico das universidades públicas do país são os menos procurados enquanto fazem-se filas para matrículas de curso de teologia em uma semana.

Deter o conhecimento é algo muito doloroso. Sabe-se o que fazer, o que dizer e frequentemente cala-se a boca pelo medo. Os ignorantes estão em maior número. Eles podem iniciar uma rebelião. Mal sabem que estão sendo manipulados. Salomão, o rei, dizia que “na sabedoria há muito enfado e o que aumenta o conhecimento aumenta a tristeza”. Advertiu-nos, ele, também que “os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o louco anda em trevas – a ambos lhes sucedem as mesmas coisas”. Todos passamos por situações semelhantes, contudo, a falta de conhecimento agrava a situação.

O mundo está cada vez mais individualista, porque as pessoas estão cada vez mais inconvenientes. Como vangloriar-se do conhecimento é, ainda assim, vaidade, deixo-lhes meditantes nas palavras do sábio filósofo. “De uma coisa eu sei: que nada sei”.

3 de maio de 2012

Em busca da Arete


“As coisas devem ser vistas exatamente como são, e subestimar a si mesmo é se afastar da realidade tanto quanto exagerar os próprios dons." (Sherlock Holmes)

Hoje foi um dia filosófico para mim. Durante à tarde li em um conto a frase em epígrafe e fiz-me meditabundo pelo o seu significado. No início da noite pus-me a assistir, mais uma vez, Harry Potter. Desta vez, concentrei-me em uma entrevista dada pela autora e mais uma vez, emocionei-me. Venho escrevendo um livro há algumas semanas. Descartei todas as ideias anteriores e comecei uma nova, uma que classifiquei como um livro para ser livro por distintas gerações.

A entrevista de JK Rolling apenas confirmou o que eu venho aprendendo nas aulas de Prática de Interpretação Textual, do prof. Flávio Carneiro: um autor não tem controle sobre o que as pessoas vão ler, do mesmo modo que não se deve mostrar um caminho para uma possível interpretação nem dizer que “está bom” ao ler seu primeiro rascunho.

Estou tentando dar vida aos meus personagens de maneira que eles andem por si só. Penso por muitas vezes se isto não é um atrevimento meu, ultrapassando o meu méthron e desejando ser como Machado de Assis, Clarice Lispector, Paulo Coelho e até mesmo JK Rolling. Meu sonho não é escrever um livro para ser um monte de papel com uma capa bonita, mas construir uma estação de trem onde as pessoas embarquem num expresso que os leve a qualquer lugar dentro de suas próprias mentes seja onde elas estiverem (no ônibus, em casa, no recreio).

Cheguei, por fim, ao resultado de que não devo subestimar-me ou supermanquetear-me. Eu busco uma Arete que está chegando em cada palavra, junto com a catarse que sonho um dia produzir no meu leitor.

Um grande abraço,

Nathan Rodrigues.

28 de abril de 2012

Estudante é expulso de universidade por assistir a 'Glee'


Fonte: O Globo

A conservadora universidade cristã Bob Jones, na Carolina do Sul (EUA), é conhecida pelo seu rígido código de conduta moral. Problemas com alunos não são raros, mesmo que eles saibam desde o início do curso que "precisam manter a mente longe da poluição e dos pecados da cultura pop". 
Mas um estudante resolveu desafiar as regras religiosas e foi assistir a um episódio da série "Glee" em uma Starbucks fora do campus. Foi visto por um colega e denunciado! Não foi para a fogueira, mas acabou expulso da universidade por causa de "Glee", contou o site "Jezebel" E Chris Peterman (foto acima), de 23 anos, estava para se formar em algumas semanas!
De acordo com as normas da Bob Jones, mesmo fora do campus os alunos são obrigados a seguir as normas de conduta, "evitando qualquer tipo de entretenimento que possa ser considerado sem vergonha ou que contenha profanação, realismo escatológico, perversão sexual, realismo erótico, violência assustadora, ocultismo e falsas ideias religiosas e filosóficas".
O pecado
O juiz

11 de abril de 2012

A vista...

"Apartamento na beira da praia dando para os fundo é igual a 69: a posição é ótima, mas a vista é um cu"
(Marcelo Serrado)

6 de abril de 2012

o Lixo do Luxo


Realmente é de se admirar o comportamento de pessoas sentadas na bufunfa. Até porque, não basta ser Brasileiro, tem que ser pobre. Sim, pobre. Sabe aquele pobre, que conseguiu chegar à Classe C e quer mostrar pra todo mundo que pode pagar alguma coisa que os outros não têm? Assim se comporta, por incrível que pareça, a família Batista.

“Os BBBs passam 3 meses para ganhar 1,5 milhão e eu ganhei isso enquanto digitava isso”. De longe vejo a frase sendo digitada por uma criança que acabou de receber uma megamesada de aniversário. Agora, o filho resolveu trocar o carro de 1,3 milhão por uma BMW de apenas 350 mil para não ostentar tanta riqueza. Isso porque o bebê só gasta 6 mil por noite, ao vinvés dos amigos que gastam 20 mil.


E assim nos tornamos brasileiros...

5 de abril de 2012

A Orgia das Palavras


Didascália proposta por mim.
Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática portuguesa.


Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e para justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.


Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.


Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.


Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.


O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Continuidade dos Parques


conto de Julio Cortázar

Havia começado a ler o romance uns dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou a abri-lo quando regressava de trem à chácara; deixava interessar-se lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de escrever uma carta ao caseiro e discutir com o mordomo uma questão de uns arrendamentos, voltou ao livro com a tranqüilidade do gabinete que dava para o parque dos carvalhos. Esticado na poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado com uma irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma e outra vez o veludo verde, e começou a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca ganhou-o quase imediatamente. Gozava do prazer quase perverso de ir descolando-se linha a linha daquilo que o rodeava, e de sentir ao mesmo tempo que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto encosto, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que mais além das janelas dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra a palavra, absorvido pela sórdida disjuntiva dos heróis, deixando-se ir até as imagens que se combinavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana da colina.

Antes entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, com a cara machucada pela chicotada de um galho. Admiravelmente ela fazia estalar o sangue com seus beijos, mas ele recusava as carícias, não tinha vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se amornava contra seu peito e por baixo gritava a liberdade refugiada. Um diálogo desejante corria pelas páginas como riacho de serpentes e sentia-se que tudo estava decidido desde sempre. Até essas carícias que enredavam o corpo do amante como que querendo retê-lo e dissuadi-lo desenhavam abominavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: álibis, acasos, possíveis erros. A partir dessa hora cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasse, sem dó nem piedade, interrompia-se apenas para que uma mão acariciasse uma bochecha. Começava a anoitecer.

Já sem se olharem, atados rigidamente à tarefa que os esperava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho que ia ao norte. Do caminho oposto, ele virou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu, por sua vez, apoiando-se nas árvores e nas cercas, até distinguir na bruma do crepúsculo a alameda que levava à casa. Os cachorros não deviam latir e não latiram. O mordomo não estaria a essa hora, e não estava. Subiu os três degraus da varanda e entrou. Do sangue galopando nos seus ouvidos chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois um longo corredor, uma escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e depois o punhal na mão, a luz das janelas, o alto encosto de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance.

29 de março de 2012

A Ética e a Igreja

Achei interessantíssimo esse texto. Espero que sirva de inspiração. Vale muito a pena ser lido, mesmo sendo um pouco extenso para internet.


A Ética e a Igreja
Uma brilhante exposição de Ariovaldo Ramos




"Vós não sabeis de que espírito sois" disse Jesus em Lc 9.55, aos irmãos Tiago e João, que, quando perceberam que uma aldeia de Samaria se recusava a permitir a passagem de Jesus, perguntaram-lhe se gostaria que pedissem ao Pai que mandasse fogo do céu para destruir aquela vila. Jesus explicou que o filho do homem não veio para destruir o alma dos homens, mas para salvá-los. Jesus estava ensinando ética para os seus discípulos. O que eles sugeriram não combinava com caráter da obra, da pessoa e da natureza de Cristo. Ética é isso, a coerência entre meio e o fim. Sei que há muitas outras definições possíveis, mas, ficarei com esta, que aponta para a finalidade e a natureza como norte. O meio pode ser um pensamento, uma motivação, uma atitude, um ato, etc.. Tiago e João faltaram com a ética porque não entenderam quem eram, portanto, não sabiam como se portar. Porque quem não sabe quem é e para o que existe, não sabe o que pensar, que motivação deve ter ou aceitar, que atitude deve acalentar, que ação deve tomar. Jesus, ao contrário desses discípulos, sabia quem era, se chamou de o filho do homem, sabia que era o grande representante da humanidade, o modelo de gente e o único caminho para a nossa salvação. Jesus sabia, assim, exatamente, como deveria se portar em todos os sentidos.


Para falar sobre a relação entre a igreja e a ética, temos de em entender o que é a que igreja. A igreja é a comunhão dos seres humanos que receberam a mesma revelação que Pedro e que, portanto, adora a Jesus. A revelação que Pedro recebeu foi de que Cristo é o filho do Deus vivo, portanto, é Deus, e Deus a gente adora. Adorar a Cristo é proclamá-lo, ele, a encarnação da virtude de Deus e imitar a Jesus de Nazaré. Porque o João disse que quem diz estar nele deve andar como ele andou e Paulo disse de si mesmo que ele era um imitador de Cristo, e que nós deveríamos seguir seu exemplo, disse, também, que vivia para anunciá-lo. Assim, a igreja é a comunhão de pessoas que, individual e comunitariamente, no poder do Espírito, imitam e anunciam a Jesus de Nazaré, o Cristo, no seu dia-a-dia, em tudo o que fazem. O Cristo que a gente imita é o Cristo que habitou entre nós. Porque Paulo disse que a gente devia contemplar a glória do senhor e não o senhor da glória; e a glória do senhor é Jesus de Nazaré, o Cristo, fazendo da vontade e comunhão com Deus a sua comida e bebida, e andando por todos os lugares fazendo o bem para todas as pessoas. Também, temos de lembrar que, quando João estava nas regiões celestes chorando porque não havia quem pudesse tomar o livro da mão daquele que estava sentado no trono, um ancião apontou para ele o leão da tribo de Judá, porém, tudo o que ele conseguiu ver foi o Cordeiro que foi morto. O céu pode falar do leão, porém, a gente só vê o cordeiro, se temos de imitar alguém, só podemos fazer isso em relação a alguém que a gente pode observar, e a gente vê o cordeiro, portanto, só dá para imitar o cordeiro. A espiritualidade cristã não é a do leão mas, a do cordeiro. Isso deveria influenciar a nossa liturgia, de modo que tanto as nossas músicas como os demais movimentos litúrgicos deveriam nos mostrar o cordeiro, que foi morto e que ressuscitou ao terceiro dia, em sua devoção ao Pai e serviço aos homens. A igreja também é um homem coletivo, Paulo disse que Jesus Cristo criou, nele mesmo, um Novo Homem, esse novo homem é fruto da reconciliação entre judeus e gentios. Recordemos que, para a mentalidade judaica, o mundo estava dividido em dois grupos, judeus e gentios. O que os separava era a compreensão e o relacionamento com Deus, os judeus sabiam de tudo sobre Deus e com ele tinham comunhão, os gentios, por sua vez, não tinham nada, estavam sem Deus no mundo e, portanto, sem senso de finalidade e sem esperança. Jesus Cristo ao apresentar-se a ambos como a única possibilidade de realmente se ter acesso às promessas de Deus, colocou-os numa mesma base, acabou a briga, tanto um quanto o outro precisam de Cristo para ter Deus. A medida que judeus e gentios vão admitindo isso, e se rendendo a Jesus, passam a formar a nova humanidade, porém, com uma diferença significativa em relação a anterior, são habitação do mesmo Espírito e passam a se amar tanto que se essa unidade, o homem coletivo, fruto desse Espírito, aparece. E a imagem e semelhança da Trindade é plenamente manifestada. Então, viver a Igreja é fomentar o surgimento dessa comunidade que manifesta essa unidade. Isso, também, deveria dar o tom de nossa liturgia; vocês já se deram conta de quantas músicas nós cantamos enfatizando a primeira pessoa do singular, eu, eu, eu... onde está o nós, quando vamos aprender a nos ver a partir da comunidade? E tem mais, a igreja também está identificada com o Reino de Deus. Em Daniel o Reino é um domínio exercido por um povo que nunca o perderá; em Apocalipse é um povo de sacerdotes que reinará sobre a terra; em João Batista o Reino exige que as pessoas se arrependam, o que vai desembocar na prática da solidariedade; na fala de Jesus, que confirma João, o Reino é um sistema onde o poder é o serviço; é um lugar que só pode ser visto do lado de dentro, pois, tanto para ver como para entrar a pessoa tem de nascer de novo, logo, só vê se entrar, então, quem viu, viu do lado de dentro; e é tão exclusivista que só pode participar dele quem rompeu com tudo para viver apenas por ele; é um lugar onde só a vontade de Deus é feita; é uma realidade a ser vivida e a ser aguardada, assim como, uma mensagem a ser anunciada prioritariamente aos pobres. Na fala de Paulo, o Reino é um estado de alegria, paz e justiça, onde o trabalhador é o primeiro a desfrutar de seu trabalho; onde quem colheu de mais não tem sobrando e quem colheu de menos não passa necessidade, e todos trabalham para acudir ao necessitado. A Igreja é o povo do Reino, que o vive e o sinaliza. Ser ético, então, para a Igreja, é ser coerente na história, em meio a sociedade, com a complexidade de sua natureza e finalidade. Em que músicas, leituras e orações, mesmo, nosso compromisso como povo do reino aparece? A ética começa na liturgia, na forma como nós apresentamos o nosso culto a Deus.


A gente é ético no contexto onde a gente vive. O nosso contexto é o Brasil, país de contrastes perversos: uma das maiores economias e um dos piores índices de distribuição dessa riqueza; uma tecnologia desenvolvida ao lado dos piores índices de alfabetização e de aquisição de cultura; uma das arquiteturas mais reconhecidas e respeitadas ao lado de um dos maiores de índices de déficit habitacional e de submoradias; um dos maiores territórios do planeta, com terras das mais férteis ao lado dos piores índices de distribuição de terra; uma das mais eficazes agriculturas ao lado da fome e da subnutrição; uma medicina das mais desenvolvidas ao lado de índices estarrecedores de mortalidade infantil; uma das legislações mais avançadas na área dos direitos humanos ao lado de graves índices de violência contra a mulher, abuso de crianças e adolescentes e prática de tortura; um dos códigos penais de maior senso humanitário ao lado de um dos sistemas carcerários mais aviltantes e degradados; uma das democracias raciais mais celebradas ao lado de um racismo pérfido, pois, sutil, não confessado e disfarçado de problema sócio-econômico, onde o negro, cantado em prosa e verso, não consegue ser cidadão e está condenado à pobreza e a ignorância; uma das constituições mais avançadas ao lado dos piores e mais corruptos políticos encontrados numa nação classificada entre as modernas; um dos sistemas de votação mais avançados ao lado de um processo eleitoral marcado pela preponderância do poder econômico e por vícios que perpetuam no poder uma casta de caudilhos, sistema onde se tem a obrigação do voto mas não se tem o direito de veto, onde o eleito pelo povo transforma o mandato em patrimônio pessoal e fonte de riqueza; uma cultura marcada pela criatividade ao lado de um mercado cultural colonizado e emprobecedor; um dos povos que mais confessam a existência de Deus ao lado de uma vergonhosa manipulação religiosa e de arraigadas práticas de superstição, que o tornam prisioneiro de forças malignas.


O que significa agir de forma coerente a nossa natureza e finalidade num contexto desse? Vou tentar responder a essa pergunta apresentando, salvo melhor juízo, algumas posturas. A face mais visível e, aparentemente, a que mais cresce da igreja brasileira ao invés de denunciar a injustiça social e propor e viver uma economia solidária, passou a pregar uma teologia que sustentava a desigualdade ao afirmar que a riqueza deveria ser o alvo do crente, e que o caminho é a fé atestada pelo nível de contribuição e pela capacidade de arbitrar, por decreto, sobre o que Deus deve fazer; ao invés de denunciar a miséria e a dívida do estado para com os excluídos passou a denunciar a provável pequena fé dos desgraçados; ao invés de socorrer aos enfermos, enquanto denunciava o descaso, começou a apregoar uma cura instantânea para aqueles que, com um certo tipo de fé, freqüentarem o ministério certo; ao invés de combater o racismo passou a estigmatizar como maligna tudo o que se relaciona com a cultura negra, como se o demônio fosse nego e, portanto, tudo o que é negro fosse demônio; ao invés de denunciar a corrupção passou a fazer negociatas com sórdidos representantes da camarilha que mantém o país no subdesenvolvimento, assim como, a participar, sem restrições, do jogo político, cassando o direito político de suas ovelhas pelo constrangimento para que votem nos candidatos escolhidos pelos líderes; líderes que ao invés de praticarem o serviço para que se forme uma comunidade, tornaram-se caudilhos que se locupletam às custas da boa fé de gente quer apenas queria Deus, e que se escondem em títulos pomposos enquanto transformam a igreja numa cultura de massas fácil de manobrar; ao invés de pregar a graça que foi de modo abundante derramada através de Cristo Jesus, passou a demandar sacrifícios acompanhados de doações cada vez mais constrangidas, para que o fiel se tornasse apto para receber a bênção desejada; ao invés de promover a mansa espiritualidade do cordeiro, promoveram a esquizofrênica espiritualidade do leão, que tenta transformar em “já” o “ainda não” do reino, enquanto transforma o “já” do reino em “nunca”; ao invés de viver, sinalizar e anunciar o reino, passaram a caçar os principados e potestades nas regiões celestiais, ora localizando e derrubando os seus postes ídolos, ora ungindo de alguma forma criativa a cidade, inaugurando o que James Houston chamou de evangelização cósmica; ao invés de fomentar o surgimento da comunidade do Reino importou modelos de agrupamento que aumentam a produtividade da igreja na promoção do crescimento numérico, que passou a ser aval de benção divina; ao invés de pregar e praticar a vitória de Cristo na cruz e na ressurreição sobre todos os agentes do mal, passou, de um lado, a pregar uma teologia que mais infundia medo do que fé, e, de outro lado, a, segundo, o articulista Ricardo Machado, umbandizar as igrejas.


É claro que tivemos problemas éticos em outros segmentos de igreja, sim, porque Igreja Brasileira é uma categoria ideológica evocada nas generalizações, o que existe, de fato, é uma gama de Igrejas no Brasil, não estou falando das divisões denominacionais, que, aliás estão desfiguradas, mas, dos vários jeitos de ser igreja, que acabam, por se constituir em segmentos estanques entre si. Houve segmento que, diante dessa realidade cruel recrudesceu o fundamentalismo legalista e alienado, outro houve que assumiu a igreja como uma empresa, sonhando também com impérios, e passou a importar modelos de gerenciamento que a organizasse, desenvolvesse excelência ministerial e produzisse crescimento, usando, muitas vezes, o princípio do “apartheid”, e as ovelhas foram feitas mão de obra e os pastores foram feitos gerentes de programa. O segmento da missão integral, em boa parte, migrou para a teologia urbana, sob, infelizmente, muita influencia de pensadores do primeiro mundo, ótimos, mas, que enfrentam uma cidade secularizada, problema que, ainda, não temos, uma vez que nossas cidades estão muito mais para um grande “shopping” religioso do que para o secularismo que o primeiro mundo enfrenta, essa opção colocou-nos sob o risco de perder a visão do macro, além disso, de alguma forma, em relação à “missão integral”, paramos de pensar, por isso a “missão integral” não se tornou uma teologia, continuou a ser, como diz Ziel Machado, uma resposta, que, ano após ano, continua a repetir que para evangelizar é preciso considerar o contexto sócio-político-econômico-cultural daquele que se vai evangelizar, e que missão integral é o evangelho todo para o homem todo para todos os povos; é preciso que descrevamos mais este evangelho, este ser humano, este contexto e as novas realidades que se impõem ao labor missionário, porém, nem sequer, ainda, trabalhamos na frase para contemplar o corte de gênero, de modo a não discriminar o sexo feminino; também, pudera, depois de 1994, quando, no congresso da AEvB, nos dividimos, só voltamos a nos encontrar, alguns de nós, no final dos anos 90, em Curitiba, sob convite do Osmar Ludovico para um tempo de oração, que acabou por gerar uma carta comum, que, segundo testemunhos, produziu algo na direção da prática da missão integral. Nesse tempo todo continuamos a falar em “missão integral”, mas, os livros de Rene Padilla, Samuel Escobar, Pedro Arana, Orlando Costas, Viv Grigg, entre outros não estão mais entre nós, ou porque há muito esgotaram ou por nem terem sidos impressos em português, e mesmo autores brasileiros desapareceram ou ficaram muito tempo fora das prateleiras das livrarias. A série Lausanne está sendo retomada, e como é bem vinda! Mas temos de ir mais longe, temos o desafio de transformar essa resposta numa teologia, porque é com teologia que se edifica igreja.


Bem, certamente, nenhum segmento conseguiria total coerência, logo, não precisamos entrar em desespero, pois, a crise na fé cristã não é o pecar é o não se arrepender.


E tem o outro lado, Jesus Cristo não diz apenas: “vós não sabeis de que espírito sois”, diz, também: “vinde benditos de meu pai”. Nos vários segmentos da igreja, com maior ou menor informação sobre essa proposta veiculada a partir do congresso de evangelização realizado em Lausanne em 1974, a resposta apareceu, pipocaram programas de ação social, creches, distribuição de cestas básicas, distribuição de alimentos para moradores de rua, entre outros. Os programas começaram assistencialistas, mas, pouco a pouco, foram se tornando mais voltados para soluções estruturais. Milhares de ONGs foram criadas com as mais diferentes finalidades de cunho social: escolas, casas-lar, programas de desenvolvimento comunitário, programas de alfabetização, e muito mais. Um leve mas decisivo movimento do Espírito tem se feito sentir cada vez mais, o interesse de grupos dos vários segmentos em se ajuntarem numa frente evangélica pela inclusão social (explicar); a recente criação da “RENAS”, rede evangélica de ação social, formada pela participação de várias dessas mencionadas ONGs, com o objetivo de serem ainda mais relevantes para os pobres; a ressurreição da AEvB e da FTL Brasil; o crescente interesse dos jovens, pastores e leigos, no significado dessa resposta; a retomada da questão da espiritualidade, que parte do segmento da missão integral começou, nos fazendo revisitar a patrística, nos encorajando a repensar o fazer pelo fazer são sinais que evidenciam esse movimento discreto mas firme do Espírito de toda a consolação que nos está reconduzindo a coerência.


É daqui que temos de continuar. Temos uma teologia para desenvolver, precisamos, sob essa nova ótica, repensar a teologia sistemática e a identidade protestante; temos uma espiritualidade para retomar, a espiritualidade do Cordeiro; temos uma igreja para edificar, de modo que, pelo menos nela, todas as raças desapareçam dando lugar à única raça que Deus criou, a raça humana, onde todos sejam gente como gente tem de ser, à imagem de Jesus de Nazaré; temos um país para influenciar, temos profecia a proferir (caso das novas tribos). Precisamos refletir, a partir dessa compreensão teológica, sobre o labor político e partidário; sobre economia; sobre genética; sobre bioengenharia (falar dos transgênicos); sobre a globalização, sobre a chamada pós-modernidade, sobre a nova sexualidade, sobre a fermentação religiosa, sobre o desafio do islã, sobre formas de fazer entendida a mensagem da cruz, num mundo em mutação; sobre a questão agrária e o meio ambiente; sobre a urbanização na América Latina; sobre a relação da igreja com o estado. Temos de nos encontrar mais, trabalhar mais juntos, abrir o círculo para que novos não só sejam atraídos, como já o estão sendo, mas, para que se sintam bem vindos e em casa. Temos um reino para viver e para manifestar. E não estamos sós: o Senhor Jesus está onde sempre esteve, reinando sobre sua Igreja e sobre todo o universo; e o Espírito Santo está aqui, pairando sobre o caos, soprando vida, levando a Igreja que está no Brasil a um avivamento que ainda não conheceu, o avivamento que chama à história o clamor de Jesus, retratado por Lucas: “Bem aventurados os pobres porque deles é o Reino de Deus. 

5 de março de 2012

Arte Lumière


Seria um ultraje quebrar o jejum de postagens do Blog do Nathan sem falar da sétima arte. A Arte Lumière que já fez algumas pessoas saltarem das cadeiras com medo de uma locomotiva, em 2012, recebe uma grande homenagem dos concorrentes ao Oscar.

Quem poderia imaginar que os filmes em preto e branco dariam lugar ao 3D em som e imagem? Pois bem, sem mais delongas, preciso compartilhar a minha emoção em assistir A Invenção de Hugo Cabret, uma verdadeira introspecção e uma aula sobre cinema.

Outro filme que poderá surpreender é o campeão de melhor filme e diretor, O Artista, totalmente em preto e branco e mudo leva-nos à primeira catarse da locomotiva dos Lumière.

Só me resta, então, agradecer à sua atenção e até o próximo filme!

15 de fevereiro de 2012

Uma Guerra chamada Carnaval



Dizem que o ano só começa realmente depois que as folhas do calendário marcando sua presença são deixadas de lado. Namoros são desmanchados, bancos são revestidos de madeira para evitar vandalismos e muita gente acredita ser o ponto alto do Brasil. Hoje observei o que isso representa para mim: uma guerra anual.

Minha mãe comprou os suprimentos para aguentarmos toda a passagem da artilharia. Diariamente as escolas de samba ensaiam com tiros de granada que fazem o chão da casa tremer. Já vi pessoas nuas na rua e, inúmeros pintos urinantes sacolejam seus últimos pingos nos postes e muros. Há até fila para essa aventura.

Não há como dormir. A infantaria canta suas marchas para todos os lados. Também há feridos caídos pelas ruas e ninguém consegue passar. Quando tudo acaba, só restam as cinzas. Aí, tudo volta ao normal. Podemos sair das nossas casas e contemplar o estrago.

9 de fevereiro de 2012

Brasil Anonymous


O Brasil é uma selva, disso todos nós sabemos. Sabemos também que (organizado ou não) há um sistema que recebe uma grande influência das Organizações Globo para que as notícias sejam eufemisadas e assim, passem despercebidos pelos olhos de indivíduos mais leigos e não instruídos. É de conhecimento de todos que uma onda de protestos vem tomando o mundo e também o tinteiro vermelho. Seja pelo aumento abusivo das passagens, pela corrupção, ou simplesmente por se fazer entender como gente trabalhadora e que merece respeito.

Anonymous surge no cenário internacional como uma organização “protestante”, por assim dizer, que conclama o povo para tomar o seu lugar. O que vem em boa hora, uma vez que vivemos tempos de crise administrativa que finalmente começa a ser desmanchada graças ao grupo em questão. Apesar de não pertencer, confesso que sou favorável ao comportamento cyber terrorista que tem sido imposto pelo Anonymous. Já saíram do ar páginas de bancos e até mesmo da polícia, mostrando o nível de despreparo dessas organizações, já que nenhum hacker foi punido.

Aumentos das conduções acima da inflação, policiais em greve pedindo aumento salarial e sendo presos por exercerem um direito constitucional enquanto governadores e ministros deitam e rolam, a nossa presidenta doando mais de 1 bilhão pro Haiti e fazendo um corte do mesmo valor em segurança (a qual sabemos bem nunca foi das melhores) e ainda diz que é a favor da prisão de pais de família buscando melhores condições de vida. Em parte isso é culpa da falta de informação (ou da informação prestada pela Globo). Não sou adepto a fundamentação de todos os problemas políticos terem sua origem no “Projac”, mas ao assistir o jornal não pude deixar de sentir nojo. E tudo isso porque uma mulher que foi presa pela ditadura seria em tese melhor que uma evangélica que gosta de fazer plebiscitos para tomar decisões, afinal, saber a opinião do povo pra quê não é? Enquanto o país luta para erradicar a pobreza e o analfabetismo, parlamentares custam o mesmo que 400 professores. Isso significa que sem o Congresso Nacional o Brasil teria toda a sua população alfabetizada em um ano. Ou ainda, problemas com a saúde e a segurança minimizados. A ditadura não acabou, ela apenas assumiu outra forma e atende pelo nome de democracia.

Então vamos corrigir o slogan pleonástico da nossa “governanta”: País rico é pais sem Brasília. Desde já, desejo infinitamente que o Brasil seja tomado pela AnonymousWave e que na próxima eleição escolha como presidente a candidata Marina Silva, sim, a crente que quer dar povo o poder de decidir em que país quer viver.

8 de fevereiro de 2012

Prédio-Mundo



A caminhada até o ponto de ônibus foi tranquila, da mesma forma que a viagem até o antigo prédio conhecido no Rio de Janeiro como “O Prédio-Mundo”. A cidade sempre foi caótica, uma verdadeira selva petrificada e sitiada por criaturas indomáveis. Havia muitos prédios antigos por todos os cantos. Uns, não aguentavam a erosão e a urida dos homens que despejam nas paredes frágeis os seus degetos líquidos, e outros, mesmo como verdadeiros fantasmas insistiam em fazer-se notar por todos os passantes. Como em uma utopia dos anos noventa, a cidade cresceu tanto que cada centímetro já era ocupado por prédios e construções. Até mesmo os monumentos arquitetônicos históricos sumiam em meio às sombras dos arranhacéus cariocas. A antiga capital do Brasil transformou-se em um pântano de poeira. O vento que costumava soprar em algumas áreas não soprava mais. Não havia mais árvores no Jardim Botânico. A Lagoa tornou-se tão fétida que os apartamentos antes habitados por ilustres milionários agora cedem seus espaços internos aos ratos e mendigos.  

*Este é um fragmento de um livro que estou escrevendo. Espero que gostem!!

2 de fevereiro de 2012


Sinto que as pessoas no Brasil construíram uma ideia distorcida da realidade da classe c. Há muita gente tentando nos fazer de palhaços e muitos desses acabam conseguindo pela nossa falta de vontade em fazer barracos. Devo compartilhar o que aconteceu comigo estes dias.

Após ver minha mãe descongelar diariamente a geladeira de 25 anos de uso, eu comprei uma geladeira. Minha cama que estava pedindo uma passagem para o andar superior foi contemplada com uma aposentadoria. E o móvel improvisado para receber minha linda e bela Tv também teve um triste fim.

A Casas Bahia me informou na hora da compra que a gelosa chegaria em 7 dias e no dia seguinte a confirmação a informação por e-mail, enviou-me outro explicando que levaria 14 dias pra chegar. A Casa e Video, onde comprei uma estante de polipropileno para minha tv, deu um prazo que não foi cumprido. O Instituto do Sono há 20 dias me dá desculpas e datas para a entrega da minha cama box. A solução foi ameaçar todos com um belo processo. Afinal, o rompimento de uma clausula contratual gera para a parte transgressora uma penalidade, isso implica dizer que mander um e-mail com um prazo diferente do exposto na hora da compra é crime. Não realizar os trabalhos na data também.

As ameaças que fiz resultaram na entrega dos produtos em 24 horas (exceto pela cama que terei que rodar uma baiana com acarajá e tudo). O que quero dizer com isso é que não se pode deixar barato os serviços não compridos.

25 de janeiro de 2012

Novos Cubangos



É uma grande pena sermos a sexta maior economia do mundo e ainda tão bárbaros quanto ao trato para com as pessoas. Seja em São Paulo, no Rio ou em Salvador o que encontraremos é um rastro de impunidade e corrupção. Sempre detestei o MST e sou radicalmente contra a invasão de propriedades privadas, todavia, quando falamos de terras que estão a esmo esperando a próxima era mesozoica para serem ocupadas, a situação torna-se completamente diferente.

Sempre aprendi nas aulas de geografia (que particularmente gostava muito) que o Brasil poderia ser considerado um país populoso, porém, não um país povoado, uma vez que a distribuição e a ocupação de terras eram irregulares. E enquanto isso, há pessoas que precisam de um teto e um terreno para sua subsistência.

Como se já não bastasse, a polícia paulista acredita que os Pinheirinhos são uma espécie de burros de carga que são facilmente controlados. Já não é de hoje que o desrespeito por parte da polícia militar do estado de São Paulo é um triste fato social, patologicamente deprimente, ou acha mesmo, caro leitor, que toda aquela confusão generalizada na Usp foi por maconha? A imprensa realmente é muito talentosa, ouso dizer que podem até escrever capítulos de nossos livros didáticos tão bem quanto os ditadores que tivemos.

A ação, segundo o governo de São Paulo, é legítima. Pergunto-me como pode ser aparado pela lei exorcizar de casa pessoas que não tem pra onde ir. E desta maneira sequer permitir que singelos objetos pessoais como porta-retratos sejam retirados das casas prestes a virar ruínas. E para onde irão estas pessoas? Para o mesmo abrigo dos desabrigados do Morro do Bumba? Ou será que a endinheirada Pernambuco irá recebê-los de bom coração. Ou ainda, quem sabe, o BBB. Estamos voltando ao império. Há de se esperar que os Cubangos voltem à moda e que barris com imensas quantidades de excremento jorrem do alto das casas. Só espero que “o amor seja eterno novamente”.