22 de maio de 2011

Ativistas vão à empresa cobrar explicações sobre item racista em cadastro

Ativistas vão à empresa cobrar explicações sobre item racista em cadastro

Depois de ‘O DIA’ publicar denúncia, Resilar, de São Paulo, para de dar aos clientes a opção de escolher a cor da pele de empregados domésticos. Autoridades exigem explicações

POR FERNANDA ALVES
Rio - Depois que O DIA  publicou, nesta quarta-feira, denúncia de racismo contra a empresa de recursos humanos Resilar, de São Paulo, o site da companhia foi alterado. O campo “cútis”, onde o futuro contratante de empregados domésticos podia escolher a cor da pele do candidato, foi retirado. Isso, no entanto, não impede autoridades e entidades que ontem condenaram a conduta da empresa de formalizar denúncias.
Foto: Reprodução Internet
A palavra ‘cútis’ foi retirada no início da tarde de ontem do site da empresa de recrutamento. Agora, os campos são ‘função’, ‘idade’, ‘folgas’ e ‘salário’ | Foto: Reprodução Internet
“Salvei uma reprodução do site antes da alteração”, explicou o ex-ministro da Igualdade Racial, deputado federal Edson Santos (PT-RJ). Ontem, o parlamentar encaminhou a denúncia de O DIA à presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília, Manuela D’Ávila (PCdoB-RS).
Agora, quem entrar no site, só terá as opções “função”, “idade”, “folgas” e “salário” para definir o “perfil” do candidato que procura. A ligação feita ontem para a Resilar pelareportagem de O DIA, uma funcionária que não se identificou disse que “o responsável” só estaria hoje, às 10h. Na terça-feira, a reportagem ligou e, ao pensar que se tratava de um cliente em potencial, uma funcionária disse que era preciso informar a “preferência de etnia” do candidato ao emprego.

Ativistas indignados

Também foi retirado do site o endereço da Resilar, o que não vai impedir que uma equipe do gabinete da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) vá lá hoje, às 11h. Vai estar acompanhada de representantes de grupos ligados ao movimento negro. Todos querem explicações.
 
“Lembrei de quando procurava meu primeiro emprego e vi a exigência por ‘boa aparência’”, disse a deputada, que é do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

A seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também vai agir, pedindo esclarecimentos à empresa e protocolando denúncias na Delegacia dos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância. O Ministério Público de São Paulo recebeu ontem representação contra a empresa e vai decidir se será aberto processo. 

Milton Gonçalves (ator): "O dia em que nós, brasileiros, negros, nos unirmos para protestar, vamos mudar esse país"

Neuza Borges (atriz): "Meu sonho é ver essa droga de preconceito mudar para minhas filhas terem futuro"

Zezé Motta (atriz): "É uma pena ainda haver pessoas com esse tipo de pensamento, que usam esse tipo de critério absurdo"

Mv Bill (rapper): "É um absurdo que nos dias de hoje uma empresa de Recursos Humanos recrute funcionários pela cor da pele"

Menino sobre babá: ‘Ela é marrom’

Cerca de 70% das empregadas domésticas do Brasil são negras. Dados do presidente da Ong Doméstica Legal, Mário Avelino, contabilizam aproximadamente 5 milhões de profissionais negras, das 7 milhões em atuação. 

Mesmo assim, o racismo contra as domésticas ainda é mais comum do que se imagina. A babá Míriam Rosa da Silva, de 52 anos, contou que, em uma entrevista de emprego, quando foi apresentada ao menino de 5 anos que precisava de seus cuidados profissionais, a criança começou a chorar e gritar: “Não quero ela como babá.” Quando os pais pergutnaram o motivo, o garoto nem titubeou e revelou o preconceito que já tinha na ponta da língua: ‘Porque ela é marrom’. 
Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
Míriam conta que sofre preconceito por sua cor e seu peso. Uma patroa chegou a dizer que tinha ‘nojo’ dela | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
O fato de ser, segundo ela mesma se define, “gordinha”, também a fez sofrer. Ela foi dispensada de um emprego por causa da forma física: “A dona da casa dizia que tinha ‘nojo’ de me ver segurando o seu filho e falou que eu não ia aguentar correr atrás do menino porque eu era gorda.”

A presidenta do Sindicato das Empregadas Domésticas de Nova Iguaçu, Maria de Lurdes Pereira, 70 anos, também já foi vítima de racismo. “Trabalhei em casas onde eu não podia sentar nas cadeiras da sala e nem comer a mesma comida. Tinha que levar meus talheres”, disse. Ela lamentou que a maioria das empregadas e babás que sofrem algum tipo de preconceito racial não denuncia à polícia.

Caó: ‘Não podemos deixar essas atitudes impunes’

Criador da lei 7716/1989, popularmente conhecida como Lei Caó, que pune os crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, Carlos Alberto Caó Oliveira, comentou a atitude da empresa Resilar. “É nitidamente uma postura racista. Quando você retira a oportunidade de emprego das pessoas, está segregando”, explicou. 

Ex-vereador e advogado, Caó afirmou que gostaria de ver uma mobilização do Sindicato das Empregadas Domésticas contra a atitude racista da agência de empregos e espera que as providências prometidas pelo deputado Edson Santos resolvam o problema. “Não podemos deixar essas atitudes impunes”, avaliou.

Ele ressaltou que o preconceito racial não é algo de agora e que, mesmo sem ser discutido frequentemente, está explícito. “Não é preciso fazer nenhuma pesquisa. Todo mundo sabe que a maioria das empregadas domésticas é de negras. É uma atividade econômica que acolhe pessoas com baixo nível de formação. Com isso, é inconcebível que negros sejam segregados das oportunidades de trabalho”,explicou.
FUNCIONÁRIA EXPLICA COMO É A SELEÇÃO
O DIA: É da Resilar?
ATENDENTE: Isso
Oi, eu vi o site de vocês e gostaria de tirar umas dúvidas e obter algumas informações.
Pois não, pode falar.
Que tipo de serviços vocês oferecem? Só diaristas?
Não, aqui temos empregados domésticos de modo geral. Tanto diarista, quanto arrumadeira, passadeira, copeira, serviços gerais e empregadas domésticas.
Certo. Deixa eu te explicar: eu moro aqui no Rio e minha irmã ganhou um bebê há pouco tempo. Estou precisando contratar uma babá. Gostaria de saber como vocês fazem a seleção da funcionária.
A Resilar tem 40 anos de tradição nessa área. Há cadastros de funcionários qualificados há mais de um ano na empresa, e a gente já tem bancos de dados de profissionais. Então, você abre a solicitação, eu verifico no banco de dados que eu tenho aqui, que é o da empresa e o pessoal, e vejo se encaixou o perfil. Se encaixar, eu aviso ao senhor, e o senhor entrevista aqui ou onde o senhor estiver. Se for para trabalhar no Rio de Janeiro, não vou abrir a solicitação.
Ela mora em São Paulo mesmo. Ela está morando há algum tempo em São Paulo. Aí, eu preencho o cadastro pela Internet?
Aí, tem um cadastro parcial, mas, se o senhor quiser me passar mais detalhes por telefone, eu acho mais viável, porque tem algumas coisas que a gente precisa perguntar para vocês e que são necessárias para a seleção sair corretamente.
Eu tenho um perfil que eu gostaria. Vocês fazem a seleção mediante perfil?
Exatamente.
Eu também posso fazer um cadastro baseado nas fotos da pessoa. Posso escolher pela foto?
Eu faço a seleção aqui da seguinte maneira: o senhor abre a sua solicitação, eu faço o seu cadastro inicialmente, confirmando telefone, endereço, o que é norma da empresa. A pessoa que for selecionada dentro do perfil que o senhor me passar, todas elas já estão com referência, antecedentes indicados. Ou o senhor entrevista aqui na agência de uma vez ou recebe elas onde achar melhor. Pelo perfil, o senhor vai passar justamente os detalhes. Se gosta de alta, baixa, gorda, magra, feia, bonita, e vamos escolher pelo perfil da pessoa, baseado naquilo que o senhor me passou.
De que tipo de informação você precisa?
Por exemplo, se o senhor precisa de uma empregada, o senhor precisa me passar tudo. E também o nome completo da empregadora, endereço, telefone e local da entrevista. Sobre a empregada, o senhor tem que me dizer o serviço que ela vai exercer na residência, a idade, alguma preferência de etnia, alguma coisa assim. A pessoa tem que me falar também, senão vai constranger ambos. 

A senhora pergunta antes para não constranger, né?
Para evitar um constrangimento tanto para você quanto para ela, tipo assim, pessoas de um tipo, eu mando de outro, então já pergunto tudo para evitar isso.
Mas aí nesse cadastro você pode me mandar umas fotos e eu selecionar dentre essas fotos?
Não, não trabalhamos com fotos. O senhor já vai me dizer o tipo da pessoa para a gente responder. Não mandamos fotos de ninguém por e-mail.
Então, eu mando essa relação para você e, dessas, você seleciona umas seis e, das seis, eu posso escolher uma? É assim?

Eu vou selecioná-las e vou chamá-las aqui na agência. O senhor vai vir até aqui, se for o caso, e vai entrevistá-las aqui na agência. Tem uma sala individual, o senhor vai entrevistar uma de cada vez. Depois do término, o senhor vai me dizer qual delas selecionou.
Vou ligar para minha irmã e pegar os dados dela completos. Você precisa mais do quê? Do endereço e do nome dela completo, né?
Eu preciso do endereço onde a pessoa vai trabalhar, telefone residencial, bairro etc, contatos, entendeu? Essas informações são para dados cadastrais e serão checadas para a gente saber se a pessoa existe.

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